Ratinho Júnior está um pouco longe de ser meu governador preferido, porque eu jamais tive a oportunidade de conversar uma linha com ele, ou tão somente vê-lo passar por perto. Sob o prisma de pessoas próximas e confiáveis, é um político suficiente, no sentido de demonstrar alguma sensibilidade política. Mas essa gente consegue ver as coisas boas de Bolsonaro com a mesma facilidade que baba de ódio por Lula. Fica uma cena estranha.
O estranhamento não consiste em ter uma preferência política, mas na decisão (consciente ou não) de não-diálogo com qualquer proposta que não tenha partido de si mesmo ou de seus grupos.
Quando assisti à manifestação de apoio ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro pela internet, tive uma excelente sensação de vitória pessoal, pela verificação de que algumas ideias que tenho sobre política batem com a realidade objetiva. Excelente. Coisa rara. Há alguns anos, com ainda mais afinco nos últimos meses, defendo que não existe bolsonarismo, mas sim pentecostalismo.
Na ocasião em que, no ano passado, traduzi para o francês trechos da minha dissertação de filosofia, tive um trabalho extra para explicar o que é o pentecostalismo para a revisora e para o avaliador da Université de Montpellier.
A atenção prestada ao genocídio em Gaza é flutuante, tanto por parte da imprensa quanto dos interesses de todos nós. É perfeitamente compreensível que se tente evitar contato direto e contínuo com uma realidade que tira o ser humano do papel de coroa da criação. Nós, expostos, hábeis em submissão degradante, e em assassinato pelo menor motivo.
Não sei como as coisas estão aí no seu Instagram. Meus Reels (o conteúdo rolante de vídeos) de pessoas fazendo trapalhadas e piadas cretinas, conteúdo que aprecio muito, são intercalados com fotos e vídeos de crianças mortas, mutiladas ou sendo operadas sem anestesia. Não aparece para mim adulto morrendo, nem metralhadora, nem político discursando. O que se tem são crianças expostas como em um açougue, com os corpos e as almas vendidos aos pedaços.
É justo que tenhamos dúvidas quanto à justiça das investigações e operações policiais em torno do ex-presidente Bolsonaro, porque cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça. Faz pouco tempo que a Lava Jato era a última tecnologia de combate ao roubo de dinheiro público, e nela não faltavam fatos jurídicos.
Ocorre que o fato jurídico, confundido com fato, fez o jornalismo ser mais uma instituição a fazer o papel de otária. Como hoje se sabe amplamente e sem risco de erro, a relação do Ministério Público com a Justiça àquelas tantas era tão perversa quanto eram as dos empreiteiros com os políticos. Mas, assim. Lição aprendida.
Uma das características mais marcantes na escolha de um político pela massa é a transferência (na concepção psicanalítica freudiana), que representa a busca do indivíduo por alguém que o proteja.
Múltiplas abordagens podem chegar mais ou menos ao mesmo resultado de análise. Pela psicanálise social de Freud, torna-se embaçada a linha entre o comportamento religioso e o político. Reflete-se na frase do seriado Chapolin Colorado: "E agora, quem poderá me defender?". Logo após, surge o herói com um número para a pessoa votar.
As eleições de 2024 vão dar o tom municipal da insatisfação dos brasileiros quanto ao sistema político. Os números da aprovação do atual governo federal estão praticamente intactos desde marços (Datafolha). É líquido e certo que esse aspecto da percepção individual dos eleitores vai ser explorada (mais uma vez), na apresentação dos candidatos como solucionadores da injustiça.
No apagar das luzes do ano passado, o Congresso rejeitou uma proposta para a redução do Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões para R$ 900 milhões. Há dinheiro suficiente para fazer o ético e o antiético, o moral e o imoral. De todo modo, custa caro fazer democracia. Se bem empregada, essa grana faz muito bem para o país.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da extrema direita da cidade de São Paulo contra o Padre Júlio Lancellotti é absolutamente coerente com o comportamento religioso e político do grupo que pretende abri-la.
De longa data, pelo menos desde que o Papa Francisco se tornou o Bispo de Roma, as decisões do líder espiritual da Igreja Católica são duvidadas e até mesmo ridicularizadas.
Desde que nos comprometemos de que a agressividade seria o assunto da semana que vem nesta coluna, o tema passou a nos importunar de várias maneiras, qual seja, a mais inadequada, um sonho em que nos afogávamos dentro de uma roupa de astronauta quando estávamos prestes a atingir, nadando do fundo para o céu, a superfície de um lago que se congelou repentinamente.
Já paramos de fumar e tivemos um resfriado daqueles desde que assumimos o compromisso, e o texto mesmo, poxa, cada vez mais laborioso. É perigoso argumentar que nós, humanos, não podemos prescindir da violência, e que temos de encontrar um lugar para ela, uma vez que ela matará de toda forma (pretendemos voltar ao sonho do afogamento). Comparamos comportamentos homicidas a proposições do fundamentalismo religioso, pelas quais os indivíduos matam material e espiritualmente.
Prometi continuar a escrita sobre relações entre pessoas. Neste artigo, discuto a experiência comum com a diversidade – uma palavra que pode empolgar e vender. Fantasiar que damos conta de manejar as diferenças é como viver em um panfleto das Testemunhas de Jeová, o que parece bom o suficiente.
No frigir dos ovos, a coisa toda é bem diferente. Dentre as características estruturais dos humanos, destaco três que considero apropriadas para esta conversa: autopreservação, presente em nosso núcleo mais duro; encontrar um culpado, resultado do que somos em sociedade; e agredir, como forma de solucionar os itens anteriores. É claro que muitos outros elementos caberiam nessa lista, se a ideia fosse escrever uma tese (não é o caso). Muito rapidamente, temos de encarar o fato de que fazemos pouco por quem não é igual. Começo por um aspecto material, logo, rudimentar.
Relacionamentos saudáveis parecem pouco ou nada com o ideal de felicidade que aprendemos a sonhar. Não se pode negar que os finais felizes e as comédias românticas tenham influenciado nosso jeito de ver o mundo, e, em certa medida, sejam contribuições ao entretenimento e desastres à vida psicológica (pelo grau de exigência).
É muito bem-vindo o amadurecimento que reconhece o outro pelas diferenças que tem. É quando nos damos conta de que não existe um jeito certo de organizar a agenda, ou de lavar o carro, ou de expressar o amor com palavras. De que cada individuo é único, e o maior responsável por si mesmo (incluindo crianças). Quando ficamos adultos, podemos (finalmente) deixar o papel de alecrinzinhos dourados benevolentes da mamãe, e chamar nossos pares para discutir de igual para igual.