Sou mentora e meu trabalho é mediar o processo de desenvolvimento dos meus clientes. Encontrar a si mesmo, entender os diferentes papéis e os impactos de si nas outras pessoas e das outras pessoas em si, faz parte desta caminhada.
A beleza da caminhada de uma mentora é acompanhar o relato, entender a história e olhar o mundo através dos olhos da pessoa à minha frente. Uma missão delicada, que envolve profundo respeito e reverência aos diferentes momentos da vida da pessoa.
Dizer Olá e dizer Adeus são dois momentos tão delicados e tão complexos para nós seres humanos. Quando a convivência que se apresenta é em um grupo, podemos multiplicar tal complexidade pelo número de pessoas que ali estão.
Chegamos a qualquer grupo com nossa mochila de vida cheia de experiências, fantasias e expectativas. Olhamos à nossa volta buscando entender quem é quem, nosso cérebro fazendo conexões, checagens e combinações frenéticas. Aspectos que lembramos e aqueles dos quais não lembramos vão costurando uma ideia do que será nossa vida junto com aquelas pessoas. As pessoas ainda serão percebidas de modo indeterminado, mais conectadas as lembranças de quem percebe do que à realidade.
Aeroporto cheio, no meio da tarde em São Paulo. Em Congonhas, o “andar de baixo” é bastante distinto do “andar de cima”. Desde o espaço propriamente dito até a disponibilidade de cadeiras e cafeterias (o lenitivo mor dos viajantes cansados). Barulhos, pessoas inquietas, filas, correrias – chamados aqui e acolá, alguns simultâneos – uma espécie sofisticada da antessala do inferno.
Com meu livro na mão, corro o olho para descobrir um cantinho para esperar. Estava bem contente, pois em um atendimento muito gentil, havia conseguido antecipar meu voo. Alma leve e os ouvidos protegidos por música, fui à caça de uma cadeira... Quase apostei que conseguiria. O dia estava caminhando de modo especialmente fluido. A mentora que habita minha alma estava nutrida pelos diálogos com pessoas sensacionais com as quais interagi nestes últimos dias.
Felicidade, como quase todos os estados da existência humana não é permanente. Não está automaticamente contida em grandes feitos ou aquisições. Penso que estar feliz pode ser associado à autonomia possível, à liberdade de fazer as próprias escolhas e a não estar subordinada passivamente a pessoas e contextos.
Para chegar nesse ponto, há uma jornada de compreensão de quem sou, onde estou e com quem estou onde estou. Simples de encadear em uma frase, cada fragmento da sentença indica caminhos a percorrer.
“Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar, ai que bom que isso é meu Deus”, fragmento de texto de Vinicius, musicado por Tom Jobim – uma bela canção, que de certa forma ilustra minhas reflexões mais recentes.
A conexão entre dois olhares é potente de tal maneira, que a “luz” é muito razoável como descrição. Um rosto humano solicita a compreensão da singularidade, da coragem e da solidão de cada um de nós neste planeta. Ao nos conectar, inevitavelmente, seremos levados, pela nossa estrutura enquanto espécie, a traduzir as expressões do ser à nossa frente.
Domingo sossegado, poucas pessoas, quase nenhum ruído, céu meio cinza meio azul, temperatura amena. Da minha varanda espio uma rua quase deserta. Aqui e acolá, um cachorro lastima, chora de saudade dos tutores. É feriado.
Uma palavra, renascimento, zanza nos meus pensamentos. Ela está associada à celebração cristã da Páscoa. É uma palavra repetida, sugerida, filosofada – muitos pequenos vídeos sugerem, em diferentes línguas: hora de renascer, de começar de novo, de construir um novo eu.
A morte chega como um susto, acorda lembranças e avisa da finitude. Tal como passos estabanados em um espelho d’água, traz à tona sedimentos invisíveis, tangibiliza as vulnerabilidades, em cada uma das suas dimensões.
Quando se vai um amigo, depois da negação, a interrupção acontece e parece um corte de navalha. Se é alguém com quem partilhamos territórios imensos dos nossos pensares e a chama dos sonhos e ideais, a dor é fina como cristal e segue, linha contínua, ao longo dos dias e noites. Ininterruptamente.
Há tempos atrás, nem me atrevo a contar este tempo em anos, um homem sábio me falou algo que marcou na minha memória um registro indelével. Ele me disse: filhos são portas para o aprendizado, para o novo, para o que ainda não conhecemos.
A nós, pais, o desafio de manter a porta aberta. Quando ouvi, minha filha mais velha era uma bebezinha. Eu ainda não havia experimentado grandes desafios, exceto um amor visceral, novo, abrangente e muito preocupado. Ecoava em minha mente estas duas orientações: observe e mantenha a ponte de contato.
Uma importante dádiva a entregar nas mãos dos nossos filhos é a capacidade de pensar. Menor talvez do que o amor incondicional, mas quem ama incondicionalmente estimulará o pensamento do outro. Aquele que ama não teme partilhar a visão da realidade do outro. Nem impedirá que o outro voe por horizontes largos e iluminados.
Pensar supõe examinar possibilidades, percepções, pontos de vista e tomar decisões. Logo, este pensamento que operacionaliza a vida, aprendido pela criança nos seus diferentes relacionamentos, pode ser a fronteira entre viver lucidamente ou não. Pensamentos que brotam de quadros de referências encolhidos e paralisados, reproduzirão mentalidades encolhidas e paralisadas.
Todos os anos, em março, quando começam a aparecer nos meios de comunicação as mensagens comemorativas do dia internacional da mulher, sou arrebatada por dois sentimentos fortes.
De um lado, a persistente esperança de que um dia não mais precisaremos de uma data para lembrar quem é e o quão precisa ser respeitada, valorizada, validada, incluída e, principalmente, vista cada uma das mulheres. Por outro lado, um desalento insidioso se instala no meu pensamento, acompanhado da sua companheira, a impotência, que pesa no peito e dificulta a respiração. Isto mesmo. Pensar nessas coisas dói. Muito.