Hoje escrevo este texto com o coração apertado, reflexiva, e escolho abordar um tema que me é desconfortável, ciente de que muitas pessoas possuem opiniões divergentes. Estive em Porto Alegre na última segunda-feira, a primeira noite após as chuvas terem deixado muitos desabrigados.
Agora, acompanho de longe o caos, as perdas humanas e materiais, e a dissipação de esperanças ao ver bens, conquistados com esforço e tempo, serem levados pelas águas e pela falta de infraestrutura. A dor de perder entes queridos nas chuvas é inimaginável.
Nós assumimos o papel de cuidador de outras pessoas de diversas maneiras: cuidando dos filhos, de outras crianças, de adultos e idosos que necessitam de cuidados especiais, escolhendo uma profissão que envolve cuidado, ou no exercício do papel de gestor, dentre outros.
Ao cuidar dos outros, inevitavelmente, abrimos mão de nosso tempo e de nossa energia, tanto emocional quanto física. Disponibilizamo-nos para atender às necessidades dessas pessoas, o que nos obriga a tomar inúmeras pequenas decisões. Essas decisões, por sua vez, podem nos levar a negligenciar o cuidado próprio.
Na minha infância, lembro-me de assistir ao filme do Pateta no trânsito, uma animação da Disney na qual ele se transforma em uma pessoa raivosa ao dirigir. Aquela mudança de humor ao entrar em um carro me impressionava profundamente.
Agora, como adulta, vejo-me controlando meu Pateta interno e, em alguns momentos, percebo sua força crescer enquanto dirijo. Tendo consciência de quando ele domina, reconheço quão inadequado ele é.
O trabalho em casa, ou home office, fortaleceu-se a partir da pandemia da Covid e, desde então, a mudança é assunto para diversas discussões. Há os que defendem e há os que não gostam. Penso que há benefícios indiscutíveis: ganhamos tempo de vida, não precisamos nos deslocar e, com isso, podemos realizar diversas atividades que possivelmente seriam retiradas da nossa rotina.
Na outra ponta, precisamos refletir sobre um aspecto importante. Nossa casa costuma ser o local de descanso, de reposição de energia e de desfrutar de prazeres, nosso espaço seguro, protegido e de intimidade. Nela entram apenas pessoas em quem confiamos e queremos por perto, escolhidas e convidadas por nós. Mas esse espaço, até então seguro, virou o ambiente de trabalho onde, por vezes, pessoas em quem não confiamos ou que sequer conhecemos entram.
Esses dias, assisti a dois filmes em sequência, que me levaram para algumas reflexões. Compartilharei elas com vocês. O primeiro foi Einstein e a bomba, que retrata a vida de Einstein à época do Holocausto e na Segunda Guerra Mundial. Ele se denominava um pacifista militante e tinha considerável preocupação com conflitos e ações violentas.
Tenho particular interesse em comentar sobre uma fala dele que ocupou meu pensamento e, por essa razão, não será a transcrição literal. Em um determinado momento, ele relata que uma força organizada e militarizada só poderia ser combatida por outra força organizada (ao comentar sobre as ações de Hitler e o que poderia pará-lo). Ao escutar esse trecho, a primeira reflexão que tive foi: e se essa força organizada fosse uma ação pautada no amor? Já volto a falar mais sobre isso.
Hoje, escolhi compartilhar com vocês algo que faz parte da minha batalha diária comigo mesma. Você já se viu se cobrando por ações e resultados inatingíveis? Ou por entregas excepcionais atreladas a capacidades que talvez você não tenha como ponto forte? Já se viu fazendo coisas e depois refletindo que este ato estava tão desconectado de você mesmo? É sobre isso...
É sobre os pedaços de nós mesmos que deixamos de lado para caber na realidade do outro... é sobre os momentos em que não conseguimos nos encontrar, entender o que nos deixa feliz, o que faz nos conectarmos com as nossas próprias forças e o melhor de nós.
Conviver, do Latim Convivere, significa viver junto. Vivemos juntos com nossos amores e aprendemos a lidar com as dificuldades do dia a dia gerada pelas diferenças nas necessidades, hábitos e rotinas que nos acompanham boa parte da nossa vida. Negociamos limites, dialogamos sobre desconfortos, acordamos aspectos da convivência que permitam a todos ficarem bem grande parte do tempo.
E quando vivemos juntos com estranhos? Eles estão no condomínio, no trabalho, no shopping, na rua, nos diversos estabelecimentos comerciais, no trânsito e em qualquer lugar da porta para fora da nossa casa.
Nestes últimos meses, tenho refletido com frequência sobre os contratos familiares. Contrato, na perspectiva da Análise Transacional conceituado pelo Dr. Eric Berne, é um acordo bilateral explícito. Bilateral, pois pressupõe a participação ativa de ambos os envolvidos. E explícito, pois todos os aspectos precisam ser falados e estar claros para as duas pessoas que fazem parte do relacionamento.
Na Mentoria Integrativa Relacional, desenvolvemos o conceito do Campo Comum de Convivência Contratado, onde o Contrato é um dos pilares de nutrição deste campo relacional. Quando explicitamos ao outro expectativas, necessidades, medos e fantasias, a gramática com que entendemos o que estamos comunicando no relacionamento, a fluidez acontece. A possibilidade de nos sintonizarmos um ao outro é muito maior, abrindo espaço para a construção de um relacionamento de intimidade, onde ambos podem ser eles mesmos, sem precisar “pisar em ovos”.
Há um tempo, em um atendimento, ao falar sobre a técnica pomodoro com uma cliente, a palavra Poka-yoke invadiu o meu pensamento e desde então estou refletindo sobre isso. Poka-yoke, que é traduzido como "à prova de erros", é uma ferramenta de qualidade, criada nos anos 60 por um engenheiro japonês chamado Shigeo Shingo, no sistema Toyota.
Soluções são pensadas e aplicadas para que o erro humano não ocorra no processo industrial e com isso, o custo com retrabalho seja reduzido. A reflexão que ocupou meu pensamento foi: qual será o nosso poka-yoke na vida? Será que conseguimos ter algum dispositivo interno que nos permita viver à prova de erros?