Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

Violência dos fundamentalistas religiosos nos faz admirar a coerência do Diabo

Este artigo desvenda as complexas camadas da natureza humana, explorando a relação entre violência, religião e cultura na sociedade brasileira atual.Este artigo desvenda as complexas camadas da natureza humana, explorando a relação entre violência, religião e cultura na sociedade brasileira atual.
Horacio Villalobos
/
EPA
"Arch of Hysteria". Louise Bourgeois.
Vinícius Sgarbe

<span class="abre-texto">Desde que nos comprometemos de que a agressividade</span> seria o assunto da semana que vem nesta coluna, o tema passou a nos importunar de várias maneiras, qual seja, a mais inadequada, um sonho em que nos afogávamos dentro de uma roupa de astronauta quando estávamos prestes a atingir, nadando do fundo para o céu, a superfície de um lago que se congelou repentinamente.

Já paramos de fumar e tivemos um resfriado daqueles desde que assumimos o compromisso, e o texto mesmo, poxa, cada vez mais laborioso. É perigoso argumentar que nós, humanos, não podemos prescindir da violência, e que temos de encontrar um lugar para ela, uma vez que ela matará de toda forma (pretendemos voltar ao sonho do afogamento). Comparamos comportamentos homicidas a proposições do fundamentalismo religioso, pelas quais os indivíduos matam material e espiritualmente.

O mais fácil seria recorrer a definições filosóficas, pelo menos para um sobrevoo. Isto é, repetir e reforçar o que é o estado da arte, reconvencionar as convenções. Outra saída seria a oferta de dicas para evitar o soco na mesa, jeitinhos de contornar a explosão, mas isso demanda que não tenhamos ódio e nojo de recomendações comportamentais, o que temos em abundância. De toda sorte, não achamos que nada assim sirva ao propósito que se instala em nós.

Sentimos muito por nossa resistência em abandonar distinções obsoletas e nocivas de nossa cultura.

Embora, repetimos pela primeira vez, não possamos renunciar à violência, podemos, nesta altura do campeonato, pelo menos sugerir a pensamentos selvagens que se domestiquem. Mas nesta altura do campeonato estamos faz tempo, pelo menos desde que nos proibimos de matar, de comer carne humana, e de transar com nossas mamães e com nossos papais.

O assassinato, o canibalismo, e o incesto são, ou deveriam ser, do ponto de vista prático, totalmente superados. Mas essa não é a compreensão do pessoal religioso (no péssimo sentido). Nas palavras do pesquisador de psicanálise David Adams, os fundamentalistas religiosos são os mais infantis dos infantis, pelo desejo que têm que seu deus destrua a todos nós que não toleramos a burrice deles. No Brasil, essa gente já mostrou o que está disposta a fazer pelo mal dos outros, quando de suas escolhas eleitorais.

Há milênios, somos feridos por seus deuses da guerra.

Essas deidades rancorosas, não raramente encarnadas em soberanos eleitos pela massa, não passam, todavia, de representações locais, de projeções limitadas. Por maior que seja um grupo étnico ou religioso, ele não pode representar a totalidade de nossa espécie sobre a face da Terra. Nem mesmo o Senhor dos Exércitos de Anjos é exatamente senhor sobre todos, por mais incomodativa que essa verdade seja.

Gostaríamos de informar, com a clareza de uma longa linguagem de profetas, artistas e filósofos, que não importa que nome seja dado àquilo que é tomado por única verdade, isso é exatamente o que define uma religião.

Nesse passo, por mais completinha que possa ser uma posição em favor do assassinato (pena de morte, guerra) ela ainda assim é tão limitada e anã quanto qualquer outra posição humana. Ou vocês ainda caem na história de que deus mandou matar? – risos.

Hoje mais cedo, durante uma supervisão improvisada, Maku de Almeida saiu com esta: "admiro a coerência do Diabo. Ele rompeu com o grupo dele, e foi fazer o que queria. O duro é quem se apresenta como Deus e age como o Diabo. O Diabo se apresenta como Diabo e age como Diabo".

É possível que experimentemos um desconforto profundo ao nos depararmos com a necessidade de uma cegueira deliberada para manter a coerência de nossas concepções de mundo.

Se fôssemos suficientemente ousados, e somos, poderíamos duvidar, e duvidamos, que a religião seja somente um docinho de coco.

Agora, religioso fascistinha, sente aqui do nosso lado, deixe eu encostar meu corpo quente bem perto do seu, minha mão grande sobre sua coxa, enquanto olho dentro dos seus olhos arregaçados de hormônio.

— Por que colocar na conta de um deus amoroso e perdoador, como é Nosso Senhor Jesus Cristo, os danos que você e seu grupinho de merda causam ao mundo? Não lhe parece mais coerente que a assinatura dos genocídios e guerras coincida com seu nome repugnante do que com o nome de um deus? Na sua idade eu teria vergonha.

Há algumas semanas, quando defendemos nossa paráfrase da literatura de Freud em uma dissertação, além de nossa psicanálise sobre a participação de igrejas na política brasileira contemporânea, começamos por uma ressalva requerida por nosso carinho.

Pouca coisa pode ser mais ofensiva a um grupo fundamentalista que sua lateralização, que seja compreendido como apenas mais um grupo, e não como o único grupo verdadeiro. Nesse sentido, temos pouco para contribuir, mas temos um pouco para contribuir.

No filme de Steven Spielberg A.I. – Inteligência Artificial (2001), o robô humanoide David (Haley Joel Osment), atormentado até os ossos pela rivalidade que tem com o irmão, descobre-se ordinário. Ele encontra réplicas idênticas a ele e, enquanto as destrói com um taco de beisebol, grita algo como "eu sou único! Eu sou único!". É uma cena perturbadora. No gancho do tio Spielberg, recorremos, estranha e espirituosamente, à Bíblia.

Na sabedoria de Salomão, em Provérbios, logo no primeiro capítulo: "Ignorantes! Até quando vocês terão prazer na ignorância? Cínicos! Até quando alimentarão seu cinismo?". Gostamos da maneira direta como o rei trata da coisa. Hoje, provavelmente estaria cancelado.

Mas não vamos perder a centralidade daquela ressalva: uma experiência transcendental é pessoal e indivisível. Nesse sentido, as práticas pouco ou nada importam, se na Missa ou no cemitério, se no culto ou na loja. Afinal, o indivíduo que transcendeu chegou à glória da paz com os outros. Na nossa concepção (e também na de Freud), esse sentimento oceânico não está em questão. O que está, entretanto, é que possamos, às vezes por um instante, esquecer de dar o nome certo às coisas.

Enquanto não pudermos chamar o ignorante pelo nome dele, vamos nos submeter ao afogamento. Não à toa, O homem revoltado de Albert Camus pode se resumir mais ou menos assim: é melhor ter vontade de matar o outro do que ter vontade de matar a si mesmo.

Deixemos ao Papa, cujo moral está decaído entre católicos violentos que dele esperam rebelião, tal qual Judas esperava de Cristo, as mensagens de amor irrestrito. Diante da ameaça de morte que nos fazem, que pelo menos possamos morrer em pé.

Última atualização
5/1/2024 14:48
Vinícius Sgarbe
Jornalista, analista transacional, e pesquisador.

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Violência dos fundamentalistas religiosos nos faz admirar a coerência do Diabo

Este artigo desvenda as complexas camadas da natureza humana, explorando a relação entre violência, religião e cultura na sociedade brasileira atual.Este artigo desvenda as complexas camadas da natureza humana, explorando a relação entre violência, religião e cultura na sociedade brasileira atual.
Horacio Villalobos
/
EPA
"Arch of Hysteria". Louise Bourgeois.
Vinícius Sgarbe
Jornalista, analista transacional, e pesquisador.
30/11/2023 20:02
Vinícius Sgarbe

Violência dos fundamentalistas nos faz admirar a coerência do Diabo

<span class="abre-texto">Desde que nos comprometemos de que a agressividade</span> seria o assunto da semana que vem nesta coluna, o tema passou a nos importunar de várias maneiras, qual seja, a mais inadequada, um sonho em que nos afogávamos dentro de uma roupa de astronauta quando estávamos prestes a atingir, nadando do fundo para o céu, a superfície de um lago que se congelou repentinamente.

Já paramos de fumar e tivemos um resfriado daqueles desde que assumimos o compromisso, e o texto mesmo, poxa, cada vez mais laborioso. É perigoso argumentar que nós, humanos, não podemos prescindir da violência, e que temos de encontrar um lugar para ela, uma vez que ela matará de toda forma (pretendemos voltar ao sonho do afogamento). Comparamos comportamentos homicidas a proposições do fundamentalismo religioso, pelas quais os indivíduos matam material e espiritualmente.

O mais fácil seria recorrer a definições filosóficas, pelo menos para um sobrevoo. Isto é, repetir e reforçar o que é o estado da arte, reconvencionar as convenções. Outra saída seria a oferta de dicas para evitar o soco na mesa, jeitinhos de contornar a explosão, mas isso demanda que não tenhamos ódio e nojo de recomendações comportamentais, o que temos em abundância. De toda sorte, não achamos que nada assim sirva ao propósito que se instala em nós.

Sentimos muito por nossa resistência em abandonar distinções obsoletas e nocivas de nossa cultura.

Embora, repetimos pela primeira vez, não possamos renunciar à violência, podemos, nesta altura do campeonato, pelo menos sugerir a pensamentos selvagens que se domestiquem. Mas nesta altura do campeonato estamos faz tempo, pelo menos desde que nos proibimos de matar, de comer carne humana, e de transar com nossas mamães e com nossos papais.

O assassinato, o canibalismo, e o incesto são, ou deveriam ser, do ponto de vista prático, totalmente superados. Mas essa não é a compreensão do pessoal religioso (no péssimo sentido). Nas palavras do pesquisador de psicanálise David Adams, os fundamentalistas religiosos são os mais infantis dos infantis, pelo desejo que têm que seu deus destrua a todos nós que não toleramos a burrice deles. No Brasil, essa gente já mostrou o que está disposta a fazer pelo mal dos outros, quando de suas escolhas eleitorais.

Há milênios, somos feridos por seus deuses da guerra.

Essas deidades rancorosas, não raramente encarnadas em soberanos eleitos pela massa, não passam, todavia, de representações locais, de projeções limitadas. Por maior que seja um grupo étnico ou religioso, ele não pode representar a totalidade de nossa espécie sobre a face da Terra. Nem mesmo o Senhor dos Exércitos de Anjos é exatamente senhor sobre todos, por mais incomodativa que essa verdade seja.

Gostaríamos de informar, com a clareza de uma longa linguagem de profetas, artistas e filósofos, que não importa que nome seja dado àquilo que é tomado por única verdade, isso é exatamente o que define uma religião.

Nesse passo, por mais completinha que possa ser uma posição em favor do assassinato (pena de morte, guerra) ela ainda assim é tão limitada e anã quanto qualquer outra posição humana. Ou vocês ainda caem na história de que deus mandou matar? – risos.

Hoje mais cedo, durante uma supervisão improvisada, Maku de Almeida saiu com esta: "admiro a coerência do Diabo. Ele rompeu com o grupo dele, e foi fazer o que queria. O duro é quem se apresenta como Deus e age como o Diabo. O Diabo se apresenta como Diabo e age como Diabo".

É possível que experimentemos um desconforto profundo ao nos depararmos com a necessidade de uma cegueira deliberada para manter a coerência de nossas concepções de mundo.

Se fôssemos suficientemente ousados, e somos, poderíamos duvidar, e duvidamos, que a religião seja somente um docinho de coco.

Agora, religioso fascistinha, sente aqui do nosso lado, deixe eu encostar meu corpo quente bem perto do seu, minha mão grande sobre sua coxa, enquanto olho dentro dos seus olhos arregaçados de hormônio.

— Por que colocar na conta de um deus amoroso e perdoador, como é Nosso Senhor Jesus Cristo, os danos que você e seu grupinho de merda causam ao mundo? Não lhe parece mais coerente que a assinatura dos genocídios e guerras coincida com seu nome repugnante do que com o nome de um deus? Na sua idade eu teria vergonha.

Há algumas semanas, quando defendemos nossa paráfrase da literatura de Freud em uma dissertação, além de nossa psicanálise sobre a participação de igrejas na política brasileira contemporânea, começamos por uma ressalva requerida por nosso carinho.

Pouca coisa pode ser mais ofensiva a um grupo fundamentalista que sua lateralização, que seja compreendido como apenas mais um grupo, e não como o único grupo verdadeiro. Nesse sentido, temos pouco para contribuir, mas temos um pouco para contribuir.

No filme de Steven Spielberg A.I. – Inteligência Artificial (2001), o robô humanoide David (Haley Joel Osment), atormentado até os ossos pela rivalidade que tem com o irmão, descobre-se ordinário. Ele encontra réplicas idênticas a ele e, enquanto as destrói com um taco de beisebol, grita algo como "eu sou único! Eu sou único!". É uma cena perturbadora. No gancho do tio Spielberg, recorremos, estranha e espirituosamente, à Bíblia.

Na sabedoria de Salomão, em Provérbios, logo no primeiro capítulo: "Ignorantes! Até quando vocês terão prazer na ignorância? Cínicos! Até quando alimentarão seu cinismo?". Gostamos da maneira direta como o rei trata da coisa. Hoje, provavelmente estaria cancelado.

Mas não vamos perder a centralidade daquela ressalva: uma experiência transcendental é pessoal e indivisível. Nesse sentido, as práticas pouco ou nada importam, se na Missa ou no cemitério, se no culto ou na loja. Afinal, o indivíduo que transcendeu chegou à glória da paz com os outros. Na nossa concepção (e também na de Freud), esse sentimento oceânico não está em questão. O que está, entretanto, é que possamos, às vezes por um instante, esquecer de dar o nome certo às coisas.

Enquanto não pudermos chamar o ignorante pelo nome dele, vamos nos submeter ao afogamento. Não à toa, O homem revoltado de Albert Camus pode se resumir mais ou menos assim: é melhor ter vontade de matar o outro do que ter vontade de matar a si mesmo.

Deixemos ao Papa, cujo moral está decaído entre católicos violentos que dele esperam rebelião, tal qual Judas esperava de Cristo, as mensagens de amor irrestrito. Diante da ameaça de morte que nos fazem, que pelo menos possamos morrer em pé.

Vinícius Sgarbe
Jornalista, analista transacional, e pesquisador.
Última atualização
5/1/2024 14:48

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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