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Opinião

Gravura contemporânea e colapso ambiental: o cânone ocidental

Gravuras contemporâneas confrontam o colapso ambiental e criticam o cânone ocidental.Gravuras contemporâneas confrontam o colapso ambiental e criticam o cânone ocidental.
Divulgação
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Cildo Meireles, cédula de zero real impressa em offset, 2013.
Gracon

No artigo da semana passada, abordei a arte indígena contemporânea como uma resposta ao colapso ambiental em curso, destacando alguns trabalhos em que a gravura está presente. Neste texto, explico, primeiro, o que entendo por “cânone ocidental”. Na sequência, seguindo uma proposta pedagógica do Museu Nacional de Arte Moderna da França (Georges Pompidou), organizo a relação entre arte contemporânea e meio ambiente a partir de quatro chaves: arte feita com lixo, arte na natureza, arte ativista e arte biotecnológica. Finalmente, apresento cinco trabalhos em gravura contemporânea que tematizam questões ambientais.

O cânone ocidental

A palavra “cânone”, do grego kanon, se refere a um instrumento de medida. Literalmente, seriam as regras de um tipo de arte, a partir das quais especialistas afirmam, e instituições endossam, o que é arte “boa”. 

Os estudos decoloniais nos ensinaram a prestar atenção nas relações entre o poder, as instituições e a geopolítica. Em nosso continente, a presença do “cânone ocidental” resulta de processos coloniais e neocoloniais que têm origem no século 15, estendendo-se até hoje. O cânone ocidental se pretende universal, ou seja, válido para todos os lugares. Ele está ligado à história da arte como se desenvolveu na Europa e depois nos Estados Unidos, aquela história da arte única que aprendemos na escola, reforçada, ainda, pela própria arte e pelos meios de comunicação em massa. 

Entendo, neste texto, que o cânone ocidental continua operante entre nós, latino-americanos, mesmo quando parece que está sendo posto em xeque. Isso porque ele se estabelece através de uma estrutura, a da colonialidade, que é o modo como o colonialismo se perpetua nos territórios conquistados depois dos processos jurídico-políticos de independência. Portanto, no contexto do sistema-mundo capitalista, parece-me ingênuo pensar que existe arte feita dentro do cânone ocidental e arte crítica a este cânone. Se olharmos para a arte contemporânea na Europa e nos Estados Unidos, notamos que o cânone ocidental assimilou, em sua estrutura, o que antes estava às suas margens, seguindo a lógica de automanutenção do próprio capital. 

Quatro categorias dentro do cânone

No cânone ocidental, então, a relação da arte com temáticas ambientais pode, para fins didáticos, ser dividida em 4 chaves: 

Arte com lixo. Remonta às colagens cubistas do início do século XX, feitas com recortes de revistas, jornais, embalagens, entre outros materiais reutilizados. Nos anos 1960, os neo-realistas franceses, em diálogo com o dadaísmo, também realizaram obras usando o refugo da sociedade do consumo, como, por exemplo, as Acumulações, de Arman.   

Arte na natureza. Refere-se à arte ambiental (Land Art) dos anos 1960-70, consistindo em propostas de interferência direta sobre a natureza usando elementos da própria natureza, que são reordenados. Em geral, o caráter intervencionista das obras tem um fim estético e não se orienta ao problema da destruição ambiental. Algumas, contudo, apresentam um viés ecológico, ou seja, ligado ao estudo e manutenção das condições físicas de vida na Terra (ecologia vem do grego oikos, lar, mais logos, razão). Essa corrente, identificada como “arte ecológica” (Ecological Art), é representada por obras como o campo de trigo plantado por Agnes Denes ao lado de Wall Street ou a recuperação da mata nativa numa esquina de Manhattan por Alan Sonfist

Arte ativista. Nesta categoria entram trabalhos de caráter crítico, que pretendem denunciar e/ou interferir sobre situações concretas, pressupondo que qualquer mudança demanda conscientização e ação políticas. Um exemplo icônico é  Estação de preservação da água do rio Reno (1972), na qual Hans Haacke purifica, dentro de um grande aquário instalado em uma sala de museu, a água do rio poluído pela indústria com a cumplicidade da prefeitura de Krefeld, na Alemanha. Outra obra famosa é 7.000 carvalhos (1982), que Joseph Beuys plantou, com a ajuda do público, na cidade de Kassel, por ocasião da 7ª Documenta.

Arte biotecnológica. Consiste em pesquisas interdisciplinares em torno de novas tecnologias e materiais, inspirados no mundo vegetal e animal. Muitas vezes, situam-se numa fronteira tênue entre arte e design, como os projetos de Neri Oxman no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Num deles, a equipe sintetizou em laboratório a melanina, pigmento presente em nossa pele que, quando aplicado a fachadas arquitetônicas, oferece proteção contra a radiação ultravioleta. Trabalhos de arte biotecnológica assumem que não há como negar o mundo tecnológico em que vivemos – é mais inteligente usá-lo a favor da luta pela habitabilidade do planeta. Nesse sentido, destaca-se o projeto Symbiosia (2019), do artista Thijs Biersteker em parceria com o neurocientista Stefano Mancuso, que mostra visualmente, em telas conectadas a sensores em árvores, como elas percebem o ambiente e respondem a ele.

Gravura contemporânea

Feito esse preâmbulo mais geral, apresento a seguir cinco trabalhos em gravura contemporânea que tratam, direta ou indiretamente, do colapso ambiental. Em todos eles, princípios fundamentais da gravura, como a impressão e a reprodutibilidade, estão presentes.

Heather Ackroyd  (1959-) e Dan Harvey (1959-)

O casal de artistas ingleses desenvolveu uma técnica de reprodução de imagem sobre grama, cultivada na vertical. O método consiste em pressionar sementes de grama sobre uma camada de argila e depois manter projetada sobre ela, durante uma semana, uma imagem fotográfica. Onde tem luz, a grama cresce verde; onde não tem, dependendo da intensidade, ela cresce em cores amareladas: assim a imagem se forma. Em geral, o casal imprime na grama o retrato de ativistas ambientais conhecidos da localidade em que a obra é exposta.

Ackroyd e Harvey, Testament (aka Barbara) [Testamento (também conhecido como Barbara)], 1998 (data do negativo)-2011, retrato fotossintético com argila e sementes de grama, 8 x 6 m, Hangar Bicocca, Milão. Fonte: https://www.ackroydandharvey.com/category/works/

Cildo Meireles (1948-)

Neste trabalho, o artista carioca produz 300.000 picolés de água para venda em diferentes pontos da cidade de Kassel, durante a 11ª Documenta. No palito está escrito “desaparecendo” na parte de baixo e “desaparecido” na parte de cima, uma alusão a um futuro não tão distante em que, se não agirmos já, sofreremos com a falta de água. O público compra o picolé e o dinheiro arrecadado é distribuído igualmente entre todas as pessoas envolvidas no processo de produção, o qual apresenta, então, um aspecto anticapitalista.

Cildo Meireles, Elemento desaparecendo, elemento desaparecido (passado iminente), 2002, poema industrial no espaço público, 300.000 picolés de água, 10 carrinhos de gelo, 11ª Documenta de Kassel, Alemanha. Fonte: https://universes.art/en/documenta/2002/fridericianum/cildo-meireles

Anna Bella Geiger (1933-) 

Em Brasil nativo/Brasil alienígena, a artista carioca fotografa-se na varanda de seu apartamento “imitando” imagens impressas em cartões postais, datados dos anos 1970 e distribuídos pela revista Manchete, que retratam a etnia dos Bororós. São oito pares contrapostos: o postal do “Brasil nativo”, de um lado, e a fotografia do “Brasil alienígena”, de outro. Geiger simula com ironia a idealização presente no retrato da cultura índigena brasileira, isso em um momento – a ditadura civil-militar – em que o desenvolvimentismo ameaçava seriamente a existência desses povos. A obra também fala da relação que as gerações mais recentes de descendentes de imigrantes, como a própria artista, estabelecem com o passado colonial brasileiro.

Anna Bella Geiger, Brasil nativo/Brasil alienígena, 1976-77, impressão digital sobre papel fotográfico, 140 x 95 cm, MASP, São Paulo. Fonte: https://masp.org.br/acervo/obra/brasil-nativobrasil-alienigena-1

Giuseppe Penone (1947-)

Quando vi este trabalho pela primeira vez, pensei que era a representação aproximada de uma folha em decomposição. Na verdade, o artista italiano fez uma frotagem da pálpebra com fita adesiva e projetou-a, entre vidros, sobre o papel colado à parede, contornando as linhas ampliadas com carvão. Pálpebra é um trabalho sobre escala: começa com o tamanho de um olho e termina em uma parede de 10 metros. Mas ele também é, ao menos para mim, sobre o parentesco entre os seres humanos e as plantas, das quais nos separamos ao longo da história evolutiva.

Giuseppe Penone, Pálpebra (esquerda), 1978, carvão sobre papel colado em tela, 2 x 10 m, versão do Rijksmuseum Kröller-Müller, Otterlo, Holanda. Fonte: https://mediation.centrepompidou.fr/education/ressources/ENS-penone/popup04.html

Carlos Vergara (1941-)

Para concluir, trago as Monotipias do Pantanal, do artista de origem gaúcha Carlos Vergara. Ele estende lonas sobre o chão do Pantanal matogrossense, depois aplica pigmentos naturais sobre elas e deixa o tempo e os animais imprimirem ali as suas marcas. Trata-se de uma colaboração, durante o processo criativo, entre ele e o bioma.

Carlos Vergara, série Monotipias do Pantanal, documentação do processo,1996-1997. Fonte: Marilda Bianchi, Arte e meio ambiente nas poéticas contemporâneas, dissertação de mestrado, USP, 2012, p. 60.

Por Luciana Lourenço Paes.

Última atualização
5/4/2024 10:09
Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Gravura contemporânea e colapso ambiental: o cânone ocidental

Gravuras contemporâneas confrontam o colapso ambiental e criticam o cânone ocidental.Gravuras contemporâneas confrontam o colapso ambiental e criticam o cânone ocidental.
Divulgação
/
Cildo Meireles, cédula de zero real impressa em offset, 2013.
Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
5/4/2024 10:08
Gracon

Gravura contemporânea e colapso ambiental: o cânone ocidental

No artigo da semana passada, abordei a arte indígena contemporânea como uma resposta ao colapso ambiental em curso, destacando alguns trabalhos em que a gravura está presente. Neste texto, explico, primeiro, o que entendo por “cânone ocidental”. Na sequência, seguindo uma proposta pedagógica do Museu Nacional de Arte Moderna da França (Georges Pompidou), organizo a relação entre arte contemporânea e meio ambiente a partir de quatro chaves: arte feita com lixo, arte na natureza, arte ativista e arte biotecnológica. Finalmente, apresento cinco trabalhos em gravura contemporânea que tematizam questões ambientais.

O cânone ocidental

A palavra “cânone”, do grego kanon, se refere a um instrumento de medida. Literalmente, seriam as regras de um tipo de arte, a partir das quais especialistas afirmam, e instituições endossam, o que é arte “boa”. 

Os estudos decoloniais nos ensinaram a prestar atenção nas relações entre o poder, as instituições e a geopolítica. Em nosso continente, a presença do “cânone ocidental” resulta de processos coloniais e neocoloniais que têm origem no século 15, estendendo-se até hoje. O cânone ocidental se pretende universal, ou seja, válido para todos os lugares. Ele está ligado à história da arte como se desenvolveu na Europa e depois nos Estados Unidos, aquela história da arte única que aprendemos na escola, reforçada, ainda, pela própria arte e pelos meios de comunicação em massa. 

Entendo, neste texto, que o cânone ocidental continua operante entre nós, latino-americanos, mesmo quando parece que está sendo posto em xeque. Isso porque ele se estabelece através de uma estrutura, a da colonialidade, que é o modo como o colonialismo se perpetua nos territórios conquistados depois dos processos jurídico-políticos de independência. Portanto, no contexto do sistema-mundo capitalista, parece-me ingênuo pensar que existe arte feita dentro do cânone ocidental e arte crítica a este cânone. Se olharmos para a arte contemporânea na Europa e nos Estados Unidos, notamos que o cânone ocidental assimilou, em sua estrutura, o que antes estava às suas margens, seguindo a lógica de automanutenção do próprio capital. 

Quatro categorias dentro do cânone

No cânone ocidental, então, a relação da arte com temáticas ambientais pode, para fins didáticos, ser dividida em 4 chaves: 

Arte com lixo. Remonta às colagens cubistas do início do século XX, feitas com recortes de revistas, jornais, embalagens, entre outros materiais reutilizados. Nos anos 1960, os neo-realistas franceses, em diálogo com o dadaísmo, também realizaram obras usando o refugo da sociedade do consumo, como, por exemplo, as Acumulações, de Arman.   

Arte na natureza. Refere-se à arte ambiental (Land Art) dos anos 1960-70, consistindo em propostas de interferência direta sobre a natureza usando elementos da própria natureza, que são reordenados. Em geral, o caráter intervencionista das obras tem um fim estético e não se orienta ao problema da destruição ambiental. Algumas, contudo, apresentam um viés ecológico, ou seja, ligado ao estudo e manutenção das condições físicas de vida na Terra (ecologia vem do grego oikos, lar, mais logos, razão). Essa corrente, identificada como “arte ecológica” (Ecological Art), é representada por obras como o campo de trigo plantado por Agnes Denes ao lado de Wall Street ou a recuperação da mata nativa numa esquina de Manhattan por Alan Sonfist

Arte ativista. Nesta categoria entram trabalhos de caráter crítico, que pretendem denunciar e/ou interferir sobre situações concretas, pressupondo que qualquer mudança demanda conscientização e ação políticas. Um exemplo icônico é  Estação de preservação da água do rio Reno (1972), na qual Hans Haacke purifica, dentro de um grande aquário instalado em uma sala de museu, a água do rio poluído pela indústria com a cumplicidade da prefeitura de Krefeld, na Alemanha. Outra obra famosa é 7.000 carvalhos (1982), que Joseph Beuys plantou, com a ajuda do público, na cidade de Kassel, por ocasião da 7ª Documenta.

Arte biotecnológica. Consiste em pesquisas interdisciplinares em torno de novas tecnologias e materiais, inspirados no mundo vegetal e animal. Muitas vezes, situam-se numa fronteira tênue entre arte e design, como os projetos de Neri Oxman no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Num deles, a equipe sintetizou em laboratório a melanina, pigmento presente em nossa pele que, quando aplicado a fachadas arquitetônicas, oferece proteção contra a radiação ultravioleta. Trabalhos de arte biotecnológica assumem que não há como negar o mundo tecnológico em que vivemos – é mais inteligente usá-lo a favor da luta pela habitabilidade do planeta. Nesse sentido, destaca-se o projeto Symbiosia (2019), do artista Thijs Biersteker em parceria com o neurocientista Stefano Mancuso, que mostra visualmente, em telas conectadas a sensores em árvores, como elas percebem o ambiente e respondem a ele.

Gravura contemporânea

Feito esse preâmbulo mais geral, apresento a seguir cinco trabalhos em gravura contemporânea que tratam, direta ou indiretamente, do colapso ambiental. Em todos eles, princípios fundamentais da gravura, como a impressão e a reprodutibilidade, estão presentes.

Heather Ackroyd  (1959-) e Dan Harvey (1959-)

O casal de artistas ingleses desenvolveu uma técnica de reprodução de imagem sobre grama, cultivada na vertical. O método consiste em pressionar sementes de grama sobre uma camada de argila e depois manter projetada sobre ela, durante uma semana, uma imagem fotográfica. Onde tem luz, a grama cresce verde; onde não tem, dependendo da intensidade, ela cresce em cores amareladas: assim a imagem se forma. Em geral, o casal imprime na grama o retrato de ativistas ambientais conhecidos da localidade em que a obra é exposta.

Ackroyd e Harvey, Testament (aka Barbara) [Testamento (também conhecido como Barbara)], 1998 (data do negativo)-2011, retrato fotossintético com argila e sementes de grama, 8 x 6 m, Hangar Bicocca, Milão. Fonte: https://www.ackroydandharvey.com/category/works/

Cildo Meireles (1948-)

Neste trabalho, o artista carioca produz 300.000 picolés de água para venda em diferentes pontos da cidade de Kassel, durante a 11ª Documenta. No palito está escrito “desaparecendo” na parte de baixo e “desaparecido” na parte de cima, uma alusão a um futuro não tão distante em que, se não agirmos já, sofreremos com a falta de água. O público compra o picolé e o dinheiro arrecadado é distribuído igualmente entre todas as pessoas envolvidas no processo de produção, o qual apresenta, então, um aspecto anticapitalista.

Cildo Meireles, Elemento desaparecendo, elemento desaparecido (passado iminente), 2002, poema industrial no espaço público, 300.000 picolés de água, 10 carrinhos de gelo, 11ª Documenta de Kassel, Alemanha. Fonte: https://universes.art/en/documenta/2002/fridericianum/cildo-meireles

Anna Bella Geiger (1933-) 

Em Brasil nativo/Brasil alienígena, a artista carioca fotografa-se na varanda de seu apartamento “imitando” imagens impressas em cartões postais, datados dos anos 1970 e distribuídos pela revista Manchete, que retratam a etnia dos Bororós. São oito pares contrapostos: o postal do “Brasil nativo”, de um lado, e a fotografia do “Brasil alienígena”, de outro. Geiger simula com ironia a idealização presente no retrato da cultura índigena brasileira, isso em um momento – a ditadura civil-militar – em que o desenvolvimentismo ameaçava seriamente a existência desses povos. A obra também fala da relação que as gerações mais recentes de descendentes de imigrantes, como a própria artista, estabelecem com o passado colonial brasileiro.

Anna Bella Geiger, Brasil nativo/Brasil alienígena, 1976-77, impressão digital sobre papel fotográfico, 140 x 95 cm, MASP, São Paulo. Fonte: https://masp.org.br/acervo/obra/brasil-nativobrasil-alienigena-1

Giuseppe Penone (1947-)

Quando vi este trabalho pela primeira vez, pensei que era a representação aproximada de uma folha em decomposição. Na verdade, o artista italiano fez uma frotagem da pálpebra com fita adesiva e projetou-a, entre vidros, sobre o papel colado à parede, contornando as linhas ampliadas com carvão. Pálpebra é um trabalho sobre escala: começa com o tamanho de um olho e termina em uma parede de 10 metros. Mas ele também é, ao menos para mim, sobre o parentesco entre os seres humanos e as plantas, das quais nos separamos ao longo da história evolutiva.

Giuseppe Penone, Pálpebra (esquerda), 1978, carvão sobre papel colado em tela, 2 x 10 m, versão do Rijksmuseum Kröller-Müller, Otterlo, Holanda. Fonte: https://mediation.centrepompidou.fr/education/ressources/ENS-penone/popup04.html

Carlos Vergara (1941-)

Para concluir, trago as Monotipias do Pantanal, do artista de origem gaúcha Carlos Vergara. Ele estende lonas sobre o chão do Pantanal matogrossense, depois aplica pigmentos naturais sobre elas e deixa o tempo e os animais imprimirem ali as suas marcas. Trata-se de uma colaboração, durante o processo criativo, entre ele e o bioma.

Carlos Vergara, série Monotipias do Pantanal, documentação do processo,1996-1997. Fonte: Marilda Bianchi, Arte e meio ambiente nas poéticas contemporâneas, dissertação de mestrado, USP, 2012, p. 60.

Por Luciana Lourenço Paes.

Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
Última atualização
5/4/2024 10:09

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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