No artigo da semana passada, abordei a arte indígena contemporânea como uma resposta ao colapso ambiental em curso, destacando alguns trabalhos em que a gravura está presente. Neste texto, explico, primeiro, o que entendo por “cânone ocidental”. Na sequência, seguindo uma proposta pedagógica do Museu Nacional de Arte Moderna da França (Georges Pompidou), organizo a relação entre arte contemporânea e meio ambiente a partir de quatro chaves: arte feita com lixo, arte na natureza, arte ativista e arte biotecnológica. Finalmente, apresento cinco trabalhos em gravura contemporânea que tematizam questões ambientais.
A palavra “cânone”, do grego kanon, se refere a um instrumento de medida. Literalmente, seriam as regras de um tipo de arte, a partir das quais especialistas afirmam, e instituições endossam, o que é arte “boa”.
Os estudos decoloniais nos ensinaram a prestar atenção nas relações entre o poder, as instituições e a geopolítica. Em nosso continente, a presença do “cânone ocidental” resulta de processos coloniais e neocoloniais que têm origem no século 15, estendendo-se até hoje. O cânone ocidental se pretende universal, ou seja, válido para todos os lugares. Ele está ligado à história da arte como se desenvolveu na Europa e depois nos Estados Unidos, aquela história da arte única que aprendemos na escola, reforçada, ainda, pela própria arte e pelos meios de comunicação em massa.
Entendo, neste texto, que o cânone ocidental continua operante entre nós, latino-americanos, mesmo quando parece que está sendo posto em xeque. Isso porque ele se estabelece através de uma estrutura, a da colonialidade, que é o modo como o colonialismo se perpetua nos territórios conquistados depois dos processos jurídico-políticos de independência. Portanto, no contexto do sistema-mundo capitalista, parece-me ingênuo pensar que existe arte feita dentro do cânone ocidental e arte crítica a este cânone. Se olharmos para a arte contemporânea na Europa e nos Estados Unidos, notamos que o cânone ocidental assimilou, em sua estrutura, o que antes estava às suas margens, seguindo a lógica de automanutenção do próprio capital.
No cânone ocidental, então, a relação da arte com temáticas ambientais pode, para fins didáticos, ser dividida em 4 chaves:
Arte com lixo. Remonta às colagens cubistas do início do século XX, feitas com recortes de revistas, jornais, embalagens, entre outros materiais reutilizados. Nos anos 1960, os neo-realistas franceses, em diálogo com o dadaísmo, também realizaram obras usando o refugo da sociedade do consumo, como, por exemplo, as Acumulações, de Arman.
Arte na natureza. Refere-se à arte ambiental (Land Art) dos anos 1960-70, consistindo em propostas de interferência direta sobre a natureza usando elementos da própria natureza, que são reordenados. Em geral, o caráter intervencionista das obras tem um fim estético e não se orienta ao problema da destruição ambiental. Algumas, contudo, apresentam um viés ecológico, ou seja, ligado ao estudo e manutenção das condições físicas de vida na Terra (ecologia vem do grego oikos, lar, mais logos, razão). Essa corrente, identificada como “arte ecológica” (Ecological Art), é representada por obras como o campo de trigo plantado por Agnes Denes ao lado de Wall Street ou a recuperação da mata nativa numa esquina de Manhattan por Alan Sonfist.
Arte ativista. Nesta categoria entram trabalhos de caráter crítico, que pretendem denunciar e/ou interferir sobre situações concretas, pressupondo que qualquer mudança demanda conscientização e ação políticas. Um exemplo icônico é Estação de preservação da água do rio Reno (1972), na qual Hans Haacke purifica, dentro de um grande aquário instalado em uma sala de museu, a água do rio poluído pela indústria com a cumplicidade da prefeitura de Krefeld, na Alemanha. Outra obra famosa é 7.000 carvalhos (1982), que Joseph Beuys plantou, com a ajuda do público, na cidade de Kassel, por ocasião da 7ª Documenta.
Arte biotecnológica. Consiste em pesquisas interdisciplinares em torno de novas tecnologias e materiais, inspirados no mundo vegetal e animal. Muitas vezes, situam-se numa fronteira tênue entre arte e design, como os projetos de Neri Oxman no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Num deles, a equipe sintetizou em laboratório a melanina, pigmento presente em nossa pele que, quando aplicado a fachadas arquitetônicas, oferece proteção contra a radiação ultravioleta. Trabalhos de arte biotecnológica assumem que não há como negar o mundo tecnológico em que vivemos – é mais inteligente usá-lo a favor da luta pela habitabilidade do planeta. Nesse sentido, destaca-se o projeto Symbiosia (2019), do artista Thijs Biersteker em parceria com o neurocientista Stefano Mancuso, que mostra visualmente, em telas conectadas a sensores em árvores, como elas percebem o ambiente e respondem a ele.
Feito esse preâmbulo mais geral, apresento a seguir cinco trabalhos em gravura contemporânea que tratam, direta ou indiretamente, do colapso ambiental. Em todos eles, princípios fundamentais da gravura, como a impressão e a reprodutibilidade, estão presentes.
Heather Ackroyd (1959-) e Dan Harvey (1959-)
O casal de artistas ingleses desenvolveu uma técnica de reprodução de imagem sobre grama, cultivada na vertical. O método consiste em pressionar sementes de grama sobre uma camada de argila e depois manter projetada sobre ela, durante uma semana, uma imagem fotográfica. Onde tem luz, a grama cresce verde; onde não tem, dependendo da intensidade, ela cresce em cores amareladas: assim a imagem se forma. Em geral, o casal imprime na grama o retrato de ativistas ambientais conhecidos da localidade em que a obra é exposta.
Cildo Meireles (1948-)
Neste trabalho, o artista carioca produz 300.000 picolés de água para venda em diferentes pontos da cidade de Kassel, durante a 11ª Documenta. No palito está escrito “desaparecendo” na parte de baixo e “desaparecido” na parte de cima, uma alusão a um futuro não tão distante em que, se não agirmos já, sofreremos com a falta de água. O público compra o picolé e o dinheiro arrecadado é distribuído igualmente entre todas as pessoas envolvidas no processo de produção, o qual apresenta, então, um aspecto anticapitalista.
Anna Bella Geiger (1933-)
Em Brasil nativo/Brasil alienígena, a artista carioca fotografa-se na varanda de seu apartamento “imitando” imagens impressas em cartões postais, datados dos anos 1970 e distribuídos pela revista Manchete, que retratam a etnia dos Bororós. São oito pares contrapostos: o postal do “Brasil nativo”, de um lado, e a fotografia do “Brasil alienígena”, de outro. Geiger simula com ironia a idealização presente no retrato da cultura índigena brasileira, isso em um momento – a ditadura civil-militar – em que o desenvolvimentismo ameaçava seriamente a existência desses povos. A obra também fala da relação que as gerações mais recentes de descendentes de imigrantes, como a própria artista, estabelecem com o passado colonial brasileiro.
Giuseppe Penone (1947-)
Quando vi este trabalho pela primeira vez, pensei que era a representação aproximada de uma folha em decomposição. Na verdade, o artista italiano fez uma frotagem da pálpebra com fita adesiva e projetou-a, entre vidros, sobre o papel colado à parede, contornando as linhas ampliadas com carvão. Pálpebra é um trabalho sobre escala: começa com o tamanho de um olho e termina em uma parede de 10 metros. Mas ele também é, ao menos para mim, sobre o parentesco entre os seres humanos e as plantas, das quais nos separamos ao longo da história evolutiva.
Carlos Vergara (1941-)
Para concluir, trago as Monotipias do Pantanal, do artista de origem gaúcha Carlos Vergara. Ele estende lonas sobre o chão do Pantanal matogrossense, depois aplica pigmentos naturais sobre elas e deixa o tempo e os animais imprimirem ali as suas marcas. Trata-se de uma colaboração, durante o processo criativo, entre ele e o bioma.
Por Luciana Lourenço Paes.
O Brasil atingiu dois recordes consecutivos na geração de energia eólica em novembro deste ano. No dia 3, a produção média horária alcançou 23.699 megawatts médios (MWmed). Já no dia 4, foi registrado o maior volume diário, com 18.976 MWmed. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (9) pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Conforme a pasta, "os resultados destacam o avanço da energia eólica como uma fonte essencial para a matriz energética do país", confirmando o papel dessa tecnologia no fornecimento sustentável de energia.
O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, foi indicado ao prêmio Globo de Ouro na categoria de melhor filme de língua estrangeira. A atriz Fernanda Torres também foi indicada a melhor atriz junto com Tilda Swinton, Kate Winslet, Angelina Jolie e Nicole Kidman.
Ainda Estou Aqui narra a trajetória da família Paiva — a mãe, Eunice, e os cinco filhos — após o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, preso, torturado e morto pela ditadura militar brasileira.
No artigo da semana passada, abordei a arte indígena contemporânea como uma resposta ao colapso ambiental em curso, destacando alguns trabalhos em que a gravura está presente. Neste texto, explico, primeiro, o que entendo por “cânone ocidental”. Na sequência, seguindo uma proposta pedagógica do Museu Nacional de Arte Moderna da França (Georges Pompidou), organizo a relação entre arte contemporânea e meio ambiente a partir de quatro chaves: arte feita com lixo, arte na natureza, arte ativista e arte biotecnológica. Finalmente, apresento cinco trabalhos em gravura contemporânea que tematizam questões ambientais.
A palavra “cânone”, do grego kanon, se refere a um instrumento de medida. Literalmente, seriam as regras de um tipo de arte, a partir das quais especialistas afirmam, e instituições endossam, o que é arte “boa”.
Os estudos decoloniais nos ensinaram a prestar atenção nas relações entre o poder, as instituições e a geopolítica. Em nosso continente, a presença do “cânone ocidental” resulta de processos coloniais e neocoloniais que têm origem no século 15, estendendo-se até hoje. O cânone ocidental se pretende universal, ou seja, válido para todos os lugares. Ele está ligado à história da arte como se desenvolveu na Europa e depois nos Estados Unidos, aquela história da arte única que aprendemos na escola, reforçada, ainda, pela própria arte e pelos meios de comunicação em massa.
Entendo, neste texto, que o cânone ocidental continua operante entre nós, latino-americanos, mesmo quando parece que está sendo posto em xeque. Isso porque ele se estabelece através de uma estrutura, a da colonialidade, que é o modo como o colonialismo se perpetua nos territórios conquistados depois dos processos jurídico-políticos de independência. Portanto, no contexto do sistema-mundo capitalista, parece-me ingênuo pensar que existe arte feita dentro do cânone ocidental e arte crítica a este cânone. Se olharmos para a arte contemporânea na Europa e nos Estados Unidos, notamos que o cânone ocidental assimilou, em sua estrutura, o que antes estava às suas margens, seguindo a lógica de automanutenção do próprio capital.
No cânone ocidental, então, a relação da arte com temáticas ambientais pode, para fins didáticos, ser dividida em 4 chaves:
Arte com lixo. Remonta às colagens cubistas do início do século XX, feitas com recortes de revistas, jornais, embalagens, entre outros materiais reutilizados. Nos anos 1960, os neo-realistas franceses, em diálogo com o dadaísmo, também realizaram obras usando o refugo da sociedade do consumo, como, por exemplo, as Acumulações, de Arman.
Arte na natureza. Refere-se à arte ambiental (Land Art) dos anos 1960-70, consistindo em propostas de interferência direta sobre a natureza usando elementos da própria natureza, que são reordenados. Em geral, o caráter intervencionista das obras tem um fim estético e não se orienta ao problema da destruição ambiental. Algumas, contudo, apresentam um viés ecológico, ou seja, ligado ao estudo e manutenção das condições físicas de vida na Terra (ecologia vem do grego oikos, lar, mais logos, razão). Essa corrente, identificada como “arte ecológica” (Ecological Art), é representada por obras como o campo de trigo plantado por Agnes Denes ao lado de Wall Street ou a recuperação da mata nativa numa esquina de Manhattan por Alan Sonfist.
Arte ativista. Nesta categoria entram trabalhos de caráter crítico, que pretendem denunciar e/ou interferir sobre situações concretas, pressupondo que qualquer mudança demanda conscientização e ação políticas. Um exemplo icônico é Estação de preservação da água do rio Reno (1972), na qual Hans Haacke purifica, dentro de um grande aquário instalado em uma sala de museu, a água do rio poluído pela indústria com a cumplicidade da prefeitura de Krefeld, na Alemanha. Outra obra famosa é 7.000 carvalhos (1982), que Joseph Beuys plantou, com a ajuda do público, na cidade de Kassel, por ocasião da 7ª Documenta.
Arte biotecnológica. Consiste em pesquisas interdisciplinares em torno de novas tecnologias e materiais, inspirados no mundo vegetal e animal. Muitas vezes, situam-se numa fronteira tênue entre arte e design, como os projetos de Neri Oxman no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Num deles, a equipe sintetizou em laboratório a melanina, pigmento presente em nossa pele que, quando aplicado a fachadas arquitetônicas, oferece proteção contra a radiação ultravioleta. Trabalhos de arte biotecnológica assumem que não há como negar o mundo tecnológico em que vivemos – é mais inteligente usá-lo a favor da luta pela habitabilidade do planeta. Nesse sentido, destaca-se o projeto Symbiosia (2019), do artista Thijs Biersteker em parceria com o neurocientista Stefano Mancuso, que mostra visualmente, em telas conectadas a sensores em árvores, como elas percebem o ambiente e respondem a ele.
Feito esse preâmbulo mais geral, apresento a seguir cinco trabalhos em gravura contemporânea que tratam, direta ou indiretamente, do colapso ambiental. Em todos eles, princípios fundamentais da gravura, como a impressão e a reprodutibilidade, estão presentes.
Heather Ackroyd (1959-) e Dan Harvey (1959-)
O casal de artistas ingleses desenvolveu uma técnica de reprodução de imagem sobre grama, cultivada na vertical. O método consiste em pressionar sementes de grama sobre uma camada de argila e depois manter projetada sobre ela, durante uma semana, uma imagem fotográfica. Onde tem luz, a grama cresce verde; onde não tem, dependendo da intensidade, ela cresce em cores amareladas: assim a imagem se forma. Em geral, o casal imprime na grama o retrato de ativistas ambientais conhecidos da localidade em que a obra é exposta.
Cildo Meireles (1948-)
Neste trabalho, o artista carioca produz 300.000 picolés de água para venda em diferentes pontos da cidade de Kassel, durante a 11ª Documenta. No palito está escrito “desaparecendo” na parte de baixo e “desaparecido” na parte de cima, uma alusão a um futuro não tão distante em que, se não agirmos já, sofreremos com a falta de água. O público compra o picolé e o dinheiro arrecadado é distribuído igualmente entre todas as pessoas envolvidas no processo de produção, o qual apresenta, então, um aspecto anticapitalista.
Anna Bella Geiger (1933-)
Em Brasil nativo/Brasil alienígena, a artista carioca fotografa-se na varanda de seu apartamento “imitando” imagens impressas em cartões postais, datados dos anos 1970 e distribuídos pela revista Manchete, que retratam a etnia dos Bororós. São oito pares contrapostos: o postal do “Brasil nativo”, de um lado, e a fotografia do “Brasil alienígena”, de outro. Geiger simula com ironia a idealização presente no retrato da cultura índigena brasileira, isso em um momento – a ditadura civil-militar – em que o desenvolvimentismo ameaçava seriamente a existência desses povos. A obra também fala da relação que as gerações mais recentes de descendentes de imigrantes, como a própria artista, estabelecem com o passado colonial brasileiro.
Giuseppe Penone (1947-)
Quando vi este trabalho pela primeira vez, pensei que era a representação aproximada de uma folha em decomposição. Na verdade, o artista italiano fez uma frotagem da pálpebra com fita adesiva e projetou-a, entre vidros, sobre o papel colado à parede, contornando as linhas ampliadas com carvão. Pálpebra é um trabalho sobre escala: começa com o tamanho de um olho e termina em uma parede de 10 metros. Mas ele também é, ao menos para mim, sobre o parentesco entre os seres humanos e as plantas, das quais nos separamos ao longo da história evolutiva.
Carlos Vergara (1941-)
Para concluir, trago as Monotipias do Pantanal, do artista de origem gaúcha Carlos Vergara. Ele estende lonas sobre o chão do Pantanal matogrossense, depois aplica pigmentos naturais sobre elas e deixa o tempo e os animais imprimirem ali as suas marcas. Trata-se de uma colaboração, durante o processo criativo, entre ele e o bioma.
Por Luciana Lourenço Paes.
O Brasil atingiu dois recordes consecutivos na geração de energia eólica em novembro deste ano. No dia 3, a produção média horária alcançou 23.699 megawatts médios (MWmed). Já no dia 4, foi registrado o maior volume diário, com 18.976 MWmed. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (9) pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Conforme a pasta, "os resultados destacam o avanço da energia eólica como uma fonte essencial para a matriz energética do país", confirmando o papel dessa tecnologia no fornecimento sustentável de energia.
O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, foi indicado ao prêmio Globo de Ouro na categoria de melhor filme de língua estrangeira. A atriz Fernanda Torres também foi indicada a melhor atriz junto com Tilda Swinton, Kate Winslet, Angelina Jolie e Nicole Kidman.
Ainda Estou Aqui narra a trajetória da família Paiva — a mãe, Eunice, e os cinco filhos — após o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, preso, torturado e morto pela ditadura militar brasileira.