Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

Valor simbólico da educação é eclipsado por condições materiais adversas

Explorando a discrepância entre a riqueza imaterial da docência e a realidade dos proventos precários, destacando a luta por condições dignas.Explorando a discrepância entre a riqueza imaterial da docência e a realidade dos proventos precários, destacando a luta por condições dignas.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Jane Hir

<span class="abre-texto">Semana tensa e intensa. Sou professora</span> da rede estadual de ensino desde 1998. Na semana que passou, entre muitos acontecimentos difíceis, a visualização impressa dos proventos a serem recebidos após a aposentadoria me deixou um gosto amargo na boca.

Ao ver a minha vida profissional de quase 30 anos de docência avaliada com um valor insuficiente para os recursos básicos da sobrevivência, um filme passou em minha cabeça: o penoso processo formativo realizado já na fase adulta, cuidando sozinha da casa e do filho, as inúmeras horas de planejamento, a carga horária de trabalho, muitas vezes em três turnos, a multidão de crianças, jovens e adultos que atendi...

Por um instante, a educadora apaixonada que sou recolheu o seu canto e questionou o encanto do caminho que trilhou.  Estranho mundo esse em que vivemos no qual os educadores, a cada dia mais desvalorizados, cansados e adoecidos, não têm o direito de se aposentar dignamente!

Sei que essa não é uma situação isolada e que é urgente o movimento da sociedade no sentido de valorização da classe docente muito além da sua remuneração. É preciso reconstruir a nossa dignidade enquanto profissional e  agente da construção social.

Um ajuste salarial na perspectiva de possibilitar ao docente em exercício e àquele que já se aposentou uma vida digna, para além dos limites da sobrevivência, não é o único pilar dessa valorização. É urgente uma redefinição do papel social do educador.

Também tenho consciência de que essa não é uma tarefa apenas das mantenedoras de qualquer instância. Esse reconhecimento deve ser exigido da sociedade em geral e nós docentes nos incluímos nela, como um dos caminhos necessários para a diminuição da desigualdade social e da violência.

O algarismo escrito no documento do governo escancara uma ferida social. Mostra a inversão de valores de uma sociedade: Não vale a pena ser professor no Brasil. Não vale a pena estudar. Frases feitas que me acorrem e que reverberam doloridamente.

Por um momento, recolhi o meu canto e encanto. Mas eu sou nordestina e à maneira do mandacaru trago em mim a força da flor que nasce no impossível chão, acredito na manhã que sucede à noite... Então, eu  canto com o poeta nascido no mesmo chão:

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro…”

Sigo então a caminhada buscando espaços para a partilha das reflexões, experiências e sonhos. Sigo, fazendo-me de ponte entre o real e o ideal.  Como diz a canção: “eles são muitos mas não sabem voar”.

O algarismo que oficialmente representa o meu valor enquanto educadora é infinitamente menor que a quantidade dos momentos plenos de vida e de esperança que o meu fazer pedagógico possibilitou.

Qual é o valor, eu pergunto, de ouvir uma aluna no sistema prisional dizer após sua aula: “Agora, eu acredito que posso aprender!”? Qual é o valor de encontrar uma ex-aluna da EJA, atualmente formada em psicologia? Qual é o valor de ver um ex-aluno de redação, agora estudante de medicina, escrevendo um e-book para partilhar com os outros o seu processo de aprendizagem? Qual é o valor de encontrar ex-alunos e alunas escrevendo a própria vida com autoria?

Qual é o valor?

Última atualização
31/3/2024 16:03
Jane Hir
Mestra em Educação (UFPR); Professora de língua portuguesa; Especialista em Educação de Jovens e Adultos; Facilitadora de Práticas Restaurativas — Eseje (2017) e SCJR/Coonozco (2018); Especialista em Práticas Restaurativas, com enfoque em Direitos Humanos (PUCPR); Especialista em Neurociências, Psicologia Positiva e Mindfulness (PUCPR).

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Valor simbólico da educação é eclipsado por condições materiais adversas

Explorando a discrepância entre a riqueza imaterial da docência e a realidade dos proventos precários, destacando a luta por condições dignas.Explorando a discrepância entre a riqueza imaterial da docência e a realidade dos proventos precários, destacando a luta por condições dignas.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Jane Hir
Mestra em Educação (UFPR); Professora de língua portuguesa; Especialista em Educação de Jovens e Adultos; Facilitadora de Práticas Restaurativas — Eseje (2017) e SCJR/Coonozco (2018); Especialista em Práticas Restaurativas, com enfoque em Direitos Humanos (PUCPR); Especialista em Neurociências, Psicologia Positiva e Mindfulness (PUCPR).
30/3/2024 14:49
Jane Hir

Valor simbólico da educação é eclipsado por condições materiais adversas

<span class="abre-texto">Semana tensa e intensa. Sou professora</span> da rede estadual de ensino desde 1998. Na semana que passou, entre muitos acontecimentos difíceis, a visualização impressa dos proventos a serem recebidos após a aposentadoria me deixou um gosto amargo na boca.

Ao ver a minha vida profissional de quase 30 anos de docência avaliada com um valor insuficiente para os recursos básicos da sobrevivência, um filme passou em minha cabeça: o penoso processo formativo realizado já na fase adulta, cuidando sozinha da casa e do filho, as inúmeras horas de planejamento, a carga horária de trabalho, muitas vezes em três turnos, a multidão de crianças, jovens e adultos que atendi...

Por um instante, a educadora apaixonada que sou recolheu o seu canto e questionou o encanto do caminho que trilhou.  Estranho mundo esse em que vivemos no qual os educadores, a cada dia mais desvalorizados, cansados e adoecidos, não têm o direito de se aposentar dignamente!

Sei que essa não é uma situação isolada e que é urgente o movimento da sociedade no sentido de valorização da classe docente muito além da sua remuneração. É preciso reconstruir a nossa dignidade enquanto profissional e  agente da construção social.

Um ajuste salarial na perspectiva de possibilitar ao docente em exercício e àquele que já se aposentou uma vida digna, para além dos limites da sobrevivência, não é o único pilar dessa valorização. É urgente uma redefinição do papel social do educador.

Também tenho consciência de que essa não é uma tarefa apenas das mantenedoras de qualquer instância. Esse reconhecimento deve ser exigido da sociedade em geral e nós docentes nos incluímos nela, como um dos caminhos necessários para a diminuição da desigualdade social e da violência.

O algarismo escrito no documento do governo escancara uma ferida social. Mostra a inversão de valores de uma sociedade: Não vale a pena ser professor no Brasil. Não vale a pena estudar. Frases feitas que me acorrem e que reverberam doloridamente.

Por um momento, recolhi o meu canto e encanto. Mas eu sou nordestina e à maneira do mandacaru trago em mim a força da flor que nasce no impossível chão, acredito na manhã que sucede à noite... Então, eu  canto com o poeta nascido no mesmo chão:

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro…”

Sigo então a caminhada buscando espaços para a partilha das reflexões, experiências e sonhos. Sigo, fazendo-me de ponte entre o real e o ideal.  Como diz a canção: “eles são muitos mas não sabem voar”.

O algarismo que oficialmente representa o meu valor enquanto educadora é infinitamente menor que a quantidade dos momentos plenos de vida e de esperança que o meu fazer pedagógico possibilitou.

Qual é o valor, eu pergunto, de ouvir uma aluna no sistema prisional dizer após sua aula: “Agora, eu acredito que posso aprender!”? Qual é o valor de encontrar uma ex-aluna da EJA, atualmente formada em psicologia? Qual é o valor de ver um ex-aluno de redação, agora estudante de medicina, escrevendo um e-book para partilhar com os outros o seu processo de aprendizagem? Qual é o valor de encontrar ex-alunos e alunas escrevendo a própria vida com autoria?

Qual é o valor?

Jane Hir
Mestra em Educação (UFPR); Professora de língua portuguesa; Especialista em Educação de Jovens e Adultos; Facilitadora de Práticas Restaurativas — Eseje (2017) e SCJR/Coonozco (2018); Especialista em Práticas Restaurativas, com enfoque em Direitos Humanos (PUCPR); Especialista em Neurociências, Psicologia Positiva e Mindfulness (PUCPR).
Última atualização
31/3/2024 16:03

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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