Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

Considerações sobre o projeto que visa proibir o casamento homoafetivo

Projeto de Lei 5.167/2009 busca impedir equiparação de união homoafetiva a casamento, contrariando evolução dos direitos LGBTQIAPN+.Projeto de Lei 5.167/2009 busca impedir equiparação de união homoafetiva a casamento, contrariando evolução dos direitos LGBTQIAPN+.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Criado por inteligência artificial.
Luana dos Santos

<span class="abre-texto">O Projeto de Lei n.º 5.167/2009 tem por objetivo</span> determinar que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo possa equiparar-se a casamento ou a entidade familiar. A proposta foi apresentada em 2009, pelo então deputado federal Capitão Assumção, partindo de uma interpretação literal da Constituição Federal que, há mais de três décadas, definiu a entidade familiar como a união entre o homem e a mulher.

A proposta legislativa vai de encontro à lenta, mas existente evolução interpretativa da ordem jurídica nos últimos anos, no que tange aos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ e ao conceito de família. Apenas a título de exemplo, em 2011 o STF reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, com todos os seus efeitos, inclusive a possibilidade de conversão em casamento. Para dar efetividade à decisão do Supremo, em 2013 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n.º 175, vedando que as autoridades se recusem a celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Em julgamento mais recente, no ano de 2019, o STF decidiu enquadrar homofobia e transfobia como crimes de racismo.

Assim, existe atualmente uma tendência de ampliar o rol de proteção aos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ e não o inverso. Por essa razão, para que uma regra como aquela pretendida pelo PL n.º 5.167/2009 “venha ao mundo”, é preciso que supere uma série de obstáculos postos pelo ordenamento jurídico.

É bem verdade que a proposta já teve aprovação pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, a qual, convenhamos, está longe de ser a delegação mais progressista do Congresso. Na sequência, o Projeto ainda precisa ser analisado pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (fase atual) e pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, nas quais há uma menor chance de aprovação. Ainda que aprovado pelas citadas Comissões, convém lembrar a posição de nosso atual governante, o qual – sem adentrar ao mérito de críticas e elogios – dificilmente aceitaria o legado de ser “O Presidente que acabou com o casamento homoafetivo” e, portanto, vetaria o Projeto. A seguir, a proposta voltaria ao Congresso, com a possibilidade de derrubada do veto presidencial.

Partindo do pressuposto de que o PL ultrapasse todas as etapas citadas, é certo que encontraria ainda uma última barreira, qual seja, o Supremo Tribunal Federal. A publicação de uma lei com conteúdo tão inconcebível certamente provocaria ações tanto da oposição política quanto de movimentos sociais, que levariam suas irresignações ao STF. Por sua vez, o Supremo, que tem a função de proteger os direitos fundamentais inclusive em contextos contramajoritários, e seguindo a lógica interpretativa dos últimos tempos, provavelmente reconheceria a inconstitucionalidade do dispositivo. Por fim, restaria ao Poder Judiciário uma série de críticas por interferir na atividade do legislador que, em tese, é representante do povo.

Nota-se, dessa forma, que o Projeto de Lei n.º 5.167/2009 tem um ciclo de vida previsível. Contudo, persiste a inquietude que pode ser resumida a uma pergunta: Por que estamos discutindo isso em 2023?

Em sua obra “A Liberdade é uma luta constante”, a filósofa e ativista Angela Davis fala sobre a incompletude da luta pela liberdade. Embora o raciocínio tenha partido da luta do movimento negro nos Estados Unidos, a mesma reflexão pode ser aqui empregada.

As históricas conquistas de direitos pela comunidade LGBTQIAPN+ estão longe de encerrar uma luta, dado que a evolução da sociedade traz consigo novas formas de violação aos direitos civis. Ainda, em contextos de instabilidade institucional ou de disputas políticas, os direitos das minorias são os primeiros a serem atacados, pois são constantemente enxergados como “o lado mais fraco da corda”. Isso não significa que as conquistas não devam ser celebradas, mas que se deve ter consciência de que a luta pela liberdade será sempre um ciclo incompleto, que depende de uma contribuição intergeracional.

Assim, cabe a nós não só a defesa de nossos direitos, mas a preparação de um cenário favorável e a entrega à próxima geração de ferramentas para continuar a luta.

Dizem que a liberdade é uma luta constante (...)
Lutamos há tanto tempo.
Choramos há tanto tempo.
Lamentamos há tanto tempo.
Lastimamos há tanto tempo.
Morremos há tanto tempo.
Devemos ser livres, devemos ser livres.
—Canção entoada no sul dos Estados Unidos no período do movimento por liberdade do século XX, reproduzida no livro A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis.
Última atualização
20/11/2023 14:23
Luana dos Santos
Bacharela em direito. Pós-graduanda em direitos humanos.

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Considerações sobre o projeto que visa proibir o casamento homoafetivo

Projeto de Lei 5.167/2009 busca impedir equiparação de união homoafetiva a casamento, contrariando evolução dos direitos LGBTQIAPN+.Projeto de Lei 5.167/2009 busca impedir equiparação de união homoafetiva a casamento, contrariando evolução dos direitos LGBTQIAPN+.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Criado por inteligência artificial.
Luana dos Santos
Bacharela em direito. Pós-graduanda em direitos humanos.
8/11/2023 13:54
Luana dos Santos

Quase liberdade: sobre o projeto que visa proibir o casamento homoafetivo

<span class="abre-texto">O Projeto de Lei n.º 5.167/2009 tem por objetivo</span> determinar que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo possa equiparar-se a casamento ou a entidade familiar. A proposta foi apresentada em 2009, pelo então deputado federal Capitão Assumção, partindo de uma interpretação literal da Constituição Federal que, há mais de três décadas, definiu a entidade familiar como a união entre o homem e a mulher.

A proposta legislativa vai de encontro à lenta, mas existente evolução interpretativa da ordem jurídica nos últimos anos, no que tange aos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ e ao conceito de família. Apenas a título de exemplo, em 2011 o STF reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, com todos os seus efeitos, inclusive a possibilidade de conversão em casamento. Para dar efetividade à decisão do Supremo, em 2013 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n.º 175, vedando que as autoridades se recusem a celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Em julgamento mais recente, no ano de 2019, o STF decidiu enquadrar homofobia e transfobia como crimes de racismo.

Assim, existe atualmente uma tendência de ampliar o rol de proteção aos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ e não o inverso. Por essa razão, para que uma regra como aquela pretendida pelo PL n.º 5.167/2009 “venha ao mundo”, é preciso que supere uma série de obstáculos postos pelo ordenamento jurídico.

É bem verdade que a proposta já teve aprovação pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, a qual, convenhamos, está longe de ser a delegação mais progressista do Congresso. Na sequência, o Projeto ainda precisa ser analisado pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (fase atual) e pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, nas quais há uma menor chance de aprovação. Ainda que aprovado pelas citadas Comissões, convém lembrar a posição de nosso atual governante, o qual – sem adentrar ao mérito de críticas e elogios – dificilmente aceitaria o legado de ser “O Presidente que acabou com o casamento homoafetivo” e, portanto, vetaria o Projeto. A seguir, a proposta voltaria ao Congresso, com a possibilidade de derrubada do veto presidencial.

Partindo do pressuposto de que o PL ultrapasse todas as etapas citadas, é certo que encontraria ainda uma última barreira, qual seja, o Supremo Tribunal Federal. A publicação de uma lei com conteúdo tão inconcebível certamente provocaria ações tanto da oposição política quanto de movimentos sociais, que levariam suas irresignações ao STF. Por sua vez, o Supremo, que tem a função de proteger os direitos fundamentais inclusive em contextos contramajoritários, e seguindo a lógica interpretativa dos últimos tempos, provavelmente reconheceria a inconstitucionalidade do dispositivo. Por fim, restaria ao Poder Judiciário uma série de críticas por interferir na atividade do legislador que, em tese, é representante do povo.

Nota-se, dessa forma, que o Projeto de Lei n.º 5.167/2009 tem um ciclo de vida previsível. Contudo, persiste a inquietude que pode ser resumida a uma pergunta: Por que estamos discutindo isso em 2023?

Em sua obra “A Liberdade é uma luta constante”, a filósofa e ativista Angela Davis fala sobre a incompletude da luta pela liberdade. Embora o raciocínio tenha partido da luta do movimento negro nos Estados Unidos, a mesma reflexão pode ser aqui empregada.

As históricas conquistas de direitos pela comunidade LGBTQIAPN+ estão longe de encerrar uma luta, dado que a evolução da sociedade traz consigo novas formas de violação aos direitos civis. Ainda, em contextos de instabilidade institucional ou de disputas políticas, os direitos das minorias são os primeiros a serem atacados, pois são constantemente enxergados como “o lado mais fraco da corda”. Isso não significa que as conquistas não devam ser celebradas, mas que se deve ter consciência de que a luta pela liberdade será sempre um ciclo incompleto, que depende de uma contribuição intergeracional.

Assim, cabe a nós não só a defesa de nossos direitos, mas a preparação de um cenário favorável e a entrega à próxima geração de ferramentas para continuar a luta.

Dizem que a liberdade é uma luta constante (...)
Lutamos há tanto tempo.
Choramos há tanto tempo.
Lamentamos há tanto tempo.
Lastimamos há tanto tempo.
Morremos há tanto tempo.
Devemos ser livres, devemos ser livres.
—Canção entoada no sul dos Estados Unidos no período do movimento por liberdade do século XX, reproduzida no livro A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis.
Luana dos Santos
Bacharela em direito. Pós-graduanda em direitos humanos.
Última atualização
20/11/2023 14:23

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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