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Opinião

Paternidade invisível e pensão alimentícia

Paternidade invisível e pensão alimentícia: um olhar sobre a obrigação parental e o sustento dos filhos na justiça.Paternidade invisível e pensão alimentícia: um olhar sobre a obrigação parental e o sustento dos filhos na justiça.
Arte Cidade Capital
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Adobe Firefly
Luana dos Santos

<span class="abre-texto">Um tempo atrás</span>, li em algum lugar que a maioria dos homens não se veem como pais, mas sim como ajudantes da mãe. Essa frase ecoou na minha cabeça alguns anos mais tarde, quando trabalhei na Vara de Família.

Grande parte dos processos na Vara de Família são relacionados à cobrança de pensão alimentícia. Na maioria dos casos, os filhos permanecem morando com a mãe, enquanto ao pai incumbe a obrigação de contribuir financeiramente.

Em alguns casos excepcionais, o próprio pai dá início ao processo, ofertando a pensão alimentícia, geralmente em valores muito baixos. Todavia, na maioria dos casos, é a mãe que busca o Judiciário para obrigar o pai ao pagamento.

A necessidade de coerção imposta pelo Judiciário nos leva ao ponto inicial da discussão: a maioria dos homens não se veem como pais, mas sim como ajudantes da mãe.

Ao não se verem como pais, deixa-se também de enxergar os filhos. E quando o relacionamento acaba, ou quando ele sequer existiu – nos casos em que o filho é fruto de uma relação pontual –, também acaba, se é que existe, a obrigação moral de ajudar a mãe. Dessa forma, o que sobra é a ideia de uma mulher “pedindo dinheiro”, percepção essa que muitas vezes é envolvida por mágoas passadas e pelo inconformismo com o término do relacionamento. E assim, o ajudante se torna o “inimigo” da mãe.

É comum, não só nos processos, mas em nosso próprio convívio, ver homens afirmando que a mãe de seus filhos é uma interesseira, que usa o dinheiro da pensão alimentícia para fazer as unhas e o cabelo.

Vez ou outra viraliza nas redes sociais publicações de pais que, ao invés de pagar a pensão alimentícia, fazem uma grande compra no supermercado e entregam à mãe. A justificativa é que assim teriam a garantia de que as necessidades dos filhos realmente estariam sendo atendidas e de que o dinheiro não seria gasto com futilidades.

Embora a pensão alimentícia receba esse nome, o valor pago mensalmente é destinado não só à compra de alimentos propriamente ditos, mas ao custeio de tudo aquilo que é essencial para o desenvolvimento da criança ou adolescente, como moradia, lazer, material escolar, roupas, itens de higiene pessoal e de saúde. Por isso, fazer uma compra no supermercado e estar certo de que isso basta para atender às necessidades dos filhos, só reforça o quanto eles são invisíveis para muitos pais.

A lei determina que ambos os genitores devem contribuir para o sustento dos filhos, na proporção de seus recursos. Quando o pai é pessoa de baixa renda, geralmente a pensão é fixada em 30% ou do salário-mínimo, preservando assim a sua própria subsistência. Basta questionar a uma mulher o quanto de seu salário é destinado aos filhos para que essa ideia de proporcionalidade idealizada pelo ordenamento jurídico desapareça.

Acrescente-se a esse cenário a quantidade de casos em que, mesmo com uma decisão judicial impondo a obrigação de pagamento, o pai passa meses e anos sem contribuir com qualquer valor.

Com frequência, a culpa pelo inadimplemento é atribuída ao desemprego e à insuficiência de renda. Em discursos como esse, não só os filhos são invisíveis, mas também as mães, afinal, elas também sofrem com desemprego e passam por dificuldades financeiras. Imagine se utilizassem os mesmos argumentos para deixar de sustentar os filhos.

A mãe, no entanto, dá um jeito. Contrata empréstimos, trabalha dobrado, pede ajuda à família. É o famoso tirar da boca para dar aos filhos.

Em determinadas situações, a falta de pagamento da pensão alimentícia pode acarretar a prisão do devedor. Então, e só então, é que o pai dá um jeito. Não porque o cárcere o faz refletir sobre suas obrigações. Mas porque, embora não reconheça o valor dos filhos, reconhece o valor da própria liberdade, seja qual for o preço.

No final das contas, o problema não é a falta de recursos, mas a ausência de paternidade.

Última atualização
21/2/2024 15:13
Luana dos Santos
Bacharela em direito. Pós-graduanda em direitos humanos.

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Paternidade invisível e pensão alimentícia

Paternidade invisível e pensão alimentícia: um olhar sobre a obrigação parental e o sustento dos filhos na justiça.Paternidade invisível e pensão alimentícia: um olhar sobre a obrigação parental e o sustento dos filhos na justiça.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Luana dos Santos
Bacharela em direito. Pós-graduanda em direitos humanos.
21/2/2024 15:03
Luana dos Santos

Entre a lei e a ausência paterna na pensão dos filhos

<span class="abre-texto">Um tempo atrás</span>, li em algum lugar que a maioria dos homens não se veem como pais, mas sim como ajudantes da mãe. Essa frase ecoou na minha cabeça alguns anos mais tarde, quando trabalhei na Vara de Família.

Grande parte dos processos na Vara de Família são relacionados à cobrança de pensão alimentícia. Na maioria dos casos, os filhos permanecem morando com a mãe, enquanto ao pai incumbe a obrigação de contribuir financeiramente.

Em alguns casos excepcionais, o próprio pai dá início ao processo, ofertando a pensão alimentícia, geralmente em valores muito baixos. Todavia, na maioria dos casos, é a mãe que busca o Judiciário para obrigar o pai ao pagamento.

A necessidade de coerção imposta pelo Judiciário nos leva ao ponto inicial da discussão: a maioria dos homens não se veem como pais, mas sim como ajudantes da mãe.

Ao não se verem como pais, deixa-se também de enxergar os filhos. E quando o relacionamento acaba, ou quando ele sequer existiu – nos casos em que o filho é fruto de uma relação pontual –, também acaba, se é que existe, a obrigação moral de ajudar a mãe. Dessa forma, o que sobra é a ideia de uma mulher “pedindo dinheiro”, percepção essa que muitas vezes é envolvida por mágoas passadas e pelo inconformismo com o término do relacionamento. E assim, o ajudante se torna o “inimigo” da mãe.

É comum, não só nos processos, mas em nosso próprio convívio, ver homens afirmando que a mãe de seus filhos é uma interesseira, que usa o dinheiro da pensão alimentícia para fazer as unhas e o cabelo.

Vez ou outra viraliza nas redes sociais publicações de pais que, ao invés de pagar a pensão alimentícia, fazem uma grande compra no supermercado e entregam à mãe. A justificativa é que assim teriam a garantia de que as necessidades dos filhos realmente estariam sendo atendidas e de que o dinheiro não seria gasto com futilidades.

Embora a pensão alimentícia receba esse nome, o valor pago mensalmente é destinado não só à compra de alimentos propriamente ditos, mas ao custeio de tudo aquilo que é essencial para o desenvolvimento da criança ou adolescente, como moradia, lazer, material escolar, roupas, itens de higiene pessoal e de saúde. Por isso, fazer uma compra no supermercado e estar certo de que isso basta para atender às necessidades dos filhos, só reforça o quanto eles são invisíveis para muitos pais.

A lei determina que ambos os genitores devem contribuir para o sustento dos filhos, na proporção de seus recursos. Quando o pai é pessoa de baixa renda, geralmente a pensão é fixada em 30% ou do salário-mínimo, preservando assim a sua própria subsistência. Basta questionar a uma mulher o quanto de seu salário é destinado aos filhos para que essa ideia de proporcionalidade idealizada pelo ordenamento jurídico desapareça.

Acrescente-se a esse cenário a quantidade de casos em que, mesmo com uma decisão judicial impondo a obrigação de pagamento, o pai passa meses e anos sem contribuir com qualquer valor.

Com frequência, a culpa pelo inadimplemento é atribuída ao desemprego e à insuficiência de renda. Em discursos como esse, não só os filhos são invisíveis, mas também as mães, afinal, elas também sofrem com desemprego e passam por dificuldades financeiras. Imagine se utilizassem os mesmos argumentos para deixar de sustentar os filhos.

A mãe, no entanto, dá um jeito. Contrata empréstimos, trabalha dobrado, pede ajuda à família. É o famoso tirar da boca para dar aos filhos.

Em determinadas situações, a falta de pagamento da pensão alimentícia pode acarretar a prisão do devedor. Então, e só então, é que o pai dá um jeito. Não porque o cárcere o faz refletir sobre suas obrigações. Mas porque, embora não reconheça o valor dos filhos, reconhece o valor da própria liberdade, seja qual for o preço.

No final das contas, o problema não é a falta de recursos, mas a ausência de paternidade.

Luana dos Santos
Bacharela em direito. Pós-graduanda em direitos humanos.
Última atualização
21/2/2024 15:13

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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