<span class="abre-texto">Tomo como tema uma questão intrigante</span> com a qual cada um de nós tem de operar ao longo da vida: nossa esquisitice. E sei que versar sobre isso soa muito bizarro! A estranheza intrínseca do ser, contudo, é a responsável por nos denominar ao Outro, queira-se ou não.
Falo dessa tal singularidade a extravasar do dentro para o fora, de mim para algo além, e a repercutir interpretações no alheio. Somos lidos o tempo todo por olhares não pertencentes, estrangeiros... a despeito de nosso querer – o que quase sempre acirra o mal-estar diante do convívio – nesse eterno embate entre as enraizadas pulsões arcaicas e o regramento social, a nos cercar/cercear no vai-e-vem das relações. Por isso negociar o que de mim emerge, aquilo que na maioria das vezes eu sequer sei, com a impressão causada a terceiros, requer a todo tempo o regresso do Eu (passo a passo construído no compasso dado por discursos disjuntos) a um pensar ensimesmado.
Reflexão desafiadora cuja finalidade ao longo do percurso e do tempo é, em encontros, desencontros e reencontros, laçar o mais viável significante a me descortinar ao rastreio de sentido; tocar-me em essência para me apropriar de um suficiente auto saber, apto a me inspirar à prosperidade do autoamor.
Um aparte se faz importante: por mais que acredite me compreender, esse meu esquisito se agita diante de quem não é eu, pouco importando os aprendizados adquiridos nem as afirmativas sobre uma identidade legítima. É esse Um inusitado, hábil em operar em insegurança e medo ante o conceito e juízo de alguém, que imagino poderoso demais... e ele me faz sofrer! Isso porque, apesar da idade, minha juventude submersa ainda requer cuidados, nesse eterno transitar entre o universo infantil e o adultecer.
Representações falam em mim como de mim; as últimas, todavia, quase nunca atendem ao que se balbucia no íntimo. No subterrâneo inusitado da psique – ora usina do divino em potencial, ora vitrina ao bauzinho de Pandora – energias revezam-se a impulsionar, sob o rótulo de personalidade, reações bastante atreladas à replicação de modelos parentais; e, o resultado é no mais das vezes um grande desserviço ao Eu pois, no ressoo inautêntico, vazam pulsão agressiva e angústia.
Que sensação é essa, a de estar perdida nas tantas esquinas do dentro? No interno da mente, perambulo em busca de laços que abracem, cinzeis ou pinceis que deem margens e limites.
Talvez isso seja o que essa andarilha aderida no núcleo de mim deseje encontrar. Talvez tal achado alavanque esse sujeito impreciso a agir espontaneamente, sem depender do mirar forasteiro ao riso, nem de aprovação para ser. Talvez assim, na consciência do ímpar, essa alma inquieta se eleve e leve-se em paz.
A voz que atravessa esse texto eu a roubei, caro leitor e leitora. Apropriei-me em virtude de um caso em estudo: uma adolescente, 18 anos, recém-ingressa na universidade e a trazer em sua mochila o peso de uma importante perda na meninice (luto delicado e não jornadeado), da exclusão e do bullying ao longo do circuito escolar regular. Além de laços, a jovem anseia – em grau elevado – por respeito e senso de pertencimento. Mas se enreda nos estranhos novelos a se entrelaçarem nos pensamentos. Ela ainda se apavora diante da própria esquisitice. Mas a seu favor há o tempo de experienciar e de se nomear enquanto protagonista dela mesma.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.
<span class="abre-texto">Tomo como tema uma questão intrigante</span> com a qual cada um de nós tem de operar ao longo da vida: nossa esquisitice. E sei que versar sobre isso soa muito bizarro! A estranheza intrínseca do ser, contudo, é a responsável por nos denominar ao Outro, queira-se ou não.
Falo dessa tal singularidade a extravasar do dentro para o fora, de mim para algo além, e a repercutir interpretações no alheio. Somos lidos o tempo todo por olhares não pertencentes, estrangeiros... a despeito de nosso querer – o que quase sempre acirra o mal-estar diante do convívio – nesse eterno embate entre as enraizadas pulsões arcaicas e o regramento social, a nos cercar/cercear no vai-e-vem das relações. Por isso negociar o que de mim emerge, aquilo que na maioria das vezes eu sequer sei, com a impressão causada a terceiros, requer a todo tempo o regresso do Eu (passo a passo construído no compasso dado por discursos disjuntos) a um pensar ensimesmado.
Reflexão desafiadora cuja finalidade ao longo do percurso e do tempo é, em encontros, desencontros e reencontros, laçar o mais viável significante a me descortinar ao rastreio de sentido; tocar-me em essência para me apropriar de um suficiente auto saber, apto a me inspirar à prosperidade do autoamor.
Um aparte se faz importante: por mais que acredite me compreender, esse meu esquisito se agita diante de quem não é eu, pouco importando os aprendizados adquiridos nem as afirmativas sobre uma identidade legítima. É esse Um inusitado, hábil em operar em insegurança e medo ante o conceito e juízo de alguém, que imagino poderoso demais... e ele me faz sofrer! Isso porque, apesar da idade, minha juventude submersa ainda requer cuidados, nesse eterno transitar entre o universo infantil e o adultecer.
Representações falam em mim como de mim; as últimas, todavia, quase nunca atendem ao que se balbucia no íntimo. No subterrâneo inusitado da psique – ora usina do divino em potencial, ora vitrina ao bauzinho de Pandora – energias revezam-se a impulsionar, sob o rótulo de personalidade, reações bastante atreladas à replicação de modelos parentais; e, o resultado é no mais das vezes um grande desserviço ao Eu pois, no ressoo inautêntico, vazam pulsão agressiva e angústia.
Que sensação é essa, a de estar perdida nas tantas esquinas do dentro? No interno da mente, perambulo em busca de laços que abracem, cinzeis ou pinceis que deem margens e limites.
Talvez isso seja o que essa andarilha aderida no núcleo de mim deseje encontrar. Talvez tal achado alavanque esse sujeito impreciso a agir espontaneamente, sem depender do mirar forasteiro ao riso, nem de aprovação para ser. Talvez assim, na consciência do ímpar, essa alma inquieta se eleve e leve-se em paz.
A voz que atravessa esse texto eu a roubei, caro leitor e leitora. Apropriei-me em virtude de um caso em estudo: uma adolescente, 18 anos, recém-ingressa na universidade e a trazer em sua mochila o peso de uma importante perda na meninice (luto delicado e não jornadeado), da exclusão e do bullying ao longo do circuito escolar regular. Além de laços, a jovem anseia – em grau elevado – por respeito e senso de pertencimento. Mas se enreda nos estranhos novelos a se entrelaçarem nos pensamentos. Ela ainda se apavora diante da própria esquisitice. Mas a seu favor há o tempo de experienciar e de se nomear enquanto protagonista dela mesma.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.