Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

O desafio do suporte nas gravuras em grandes formatos

Renato Torres discute sobre os desafios técnicos e espaciais das gravuras em grandes formatos.Renato Torres discute sobre os desafios técnicos e espaciais das gravuras em grandes formatos.
Renato Torres
/
Acervo pessoal
Registro da exposição Planos Espaços, no Museu de Arte Contemporânea do Paraná, 2004.
Gracon

As gravuras normalmente são vistas como obras intimistas, de pequenas dimensões, que solicitam um olhar atento do visitante da exposição. Tratar de gravuras em grandes formatos é ir em outra direção, pois, nesses casos, a obra praticamente empurra o visitante para trás, para que possa olhá-la em seu conjunto. 

Lembro quando me formei em Gravura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, por volta do ano 2000. Tinha vontade de produzir gravuras em grandes dimensões, mas não encontrava, em Curitiba, papel de qualidade com tamanho compatível. Existia também o limite das dimensões da prensa. Naquele momento, para a exposição de formatura, optei em utilizar como suporte um papel de plotter que era vendido em rolo. Porém, devido à baixa gramatura, trabalhei sobre ele com desenho ao invés de gravura. 

Durante a produção desses trabalhos, não tinha muita consciência do que me motivava a enfrentar as grandes dimensões, mas lembro que já praticava o montanhismo e, provavelmente, as atividades ao ar livre tenham me influenciado. Lembro-me também de uma entrevista em que a artista Maria Bonomi disse que o Brasil era imenso e que, tendo algo tão grande como a Amazônia, seria impossível não trabalhar com grandes dimensões. As gravuras grandes da Maria Bonomi me inspiram até hoje, não só pelo tamanho, mas pela qualidade técnica e pela linguagem que ela desenvolveu. 

Voltando para minha produção, continuei procurando papéis em grande dimensão para gravura, mas não encontrava nada com qualidade. Em um determinado momento, alguém me sugeriu o voil, que é um tecido barato e transparente. Fui atrás do voil e, quando encontrei, fiquei encantado. Aí surgiu outra questão: qual técnica utilizar? 

Resolvi trabalhar com o linóleo. Contudo, inicialmente não gostei do resultado. Decidi, então, pincelar em nanquim sobre o linóleo as formas que vinha trabalhando e, com as goivas, passei a entalhar, contornando as pinceladas. Gostei da aparência de pintura que as matrizes assumiram. Também tive influência da pesquisa da Camila, minha esposa, que trabalhava com tintas naturais naquele momento. Passei a tingir cada pedaço de voil com um pigmento natural, o que fazia com que cada obra tivesse um cheiro diferente. Na imagem abaixo (figura 1), fica evidente a montagem não convencional feita para a exposição Planos Espaços, realizada no Museu de Arte Contemporânea do Paraná, em 2004. Foram mais ou menos quatro anos de pesquisa até chegar a um primeiro resultado satisfatório com trabalhos em grandes formatos. 

Usar o tecido como suporte abriu a possibilidade de explorar a tridimensionalidade na gravura. Acredito que essa experiência tem origem em obras que vi nas Mostras da Gravura da Cidade de Curitiba, em especial as últimas. Chamaram-me muito a atenção as gravuras-objeto e as instalações que de alguma forma se relacionavam com o conceito de gravura. Minha graduação aconteceu em paralelo às mostras, as quais promoveram discussões sobre os limites da linguagem gráfica, o que hoje chamamos de gravura no campo expandido, conforme o conceito cunhado pela crítica de arte norte americana Rosalind Krauss, no fim dos anos 1970.

Entre 2004 e 2006, explorei bastante o tecido, criando trabalhos que dialogavam com o espaço arquitetônico. As gravuras eram pensadas para o canto, para o teto, para o espectador andar em volta e sentir o cheiro, para provocar efeitos visuais durante o seu percurso pelas transparências. Nesse sentido, a leveza do suporte era tão importante quanto as estampas nele aplicadas. Na figura 1, vemos duas obras: a primeira, Adentre-se, é composta por tecidos instalados entre as portas, com o objetivo de forçar o visitante a entrar na gravura e sentir o cheiro de urucum; já a obra ao fundo, Olhar itinerante, previa uma caminhada em seu entorno estimulada pelo cheiro de açafrão de seu tingimento. 

Nesse período, começou a ser comercializado em Curitiba um papel arroz em rolo, vendido em três gramaturas diferentes. Passei a experimentar esse papel de diversas maneiras, até que cheguei a um modo interessante de imprimir. Alternava uma impressão na prensa com uma impressão que chamei de manual, pois utilizava um rolo grande apenas com a força do corpo sobre a matriz em linóleo. Essa diferença de pressão gerava uma diferença na tonalidade. Eu usava várias impressões de uma mesma matriz, a qual eu deslocava, a partir da metade da impressão anterior, e girava, explorando o efeito de sobreposição. Alterava também a cor da impressão seguinte, gerando uma passagem de cores ao longo da construção da imagem. 

Outra questão interessante é que, em cada exposição, montava as obras de maneiras diferentes. O papel em rolo, usado normalmente com entre 7 e 10 metros de comprimento e 1 metro de largura, por vezes foi exposto parcialmente enrolado (figura 2), provocando certa curiosidade no visitante. O não visível era tão interessante quanto o visível.

Figuras 2 e 3

Entre 2006 e 2012, explorei bastante o tecido e o papel arroz. De maneira geral trabalhei com gravuras nas dimensões de 2 x 1 metros, partindo de uma ideia de gravura como acontecimento, explorando matrizes prontas, nas quais fazia interferências no momento da impressão. A ideia era não entalhar as madeiras e deixar visível a história que cada matriz carregava. Na obra da figura 3, imprimi uma porta de imbuia em azul e partes de algumas mesas do ateliê em um tom claro de ocre. A sobreposição dos papéis provocava a curiosidade a respeito do que não se mostrava, da mesma forma que as partes ocultas do trabalho anterior (figura 2). Várias pessoas me perguntaram qual tecido tinha usado e se espantaram quando mostrei que era papel, não tecido. 

Para fazer essas impressões sempre contei com a ajuda de amigos, familiares e alunos das universidades onde trabalhei, pois, em se tratando de grandes dimensões, precisamos de ajuda, seja ao construir a matriz ou durante os processos de impressão. A forma de expor também solicita uma solução que deixe a gravura leve e que não comprometa a sua estrutura. O vidro, por exemplo, torna-se inviável para várias obras, sobretudo devido ao transporte e ao armazenamento.  

Atualmente, estou trabalhando de novo com o papel arroz em rolo, com sobreposição em parte da imagem, em uma dimensão total de 2 x 2 metros. Na imagem abaixo (figura 4), trabalhei com seis placas de madeirite de 2,15 x 1,10 metros, mais duas matrizes de imbuia. A ideia foi explorar, por meio de diferentes texturas, o “cheiro da chuva” na construção da imagem. As impressões foram realizadas na seguinte ordem: azul, cinza, preto e branco, criando sutis passagens de cor.

Figura 4

Trabalhar com gravuras em grandes dimensões implica em desenvolver um projeto de imagem, adaptando o que for necessário para chegar ao final. Muitas vezes, pensamos em desistir ou achamos que não vai dar certo. Mas é necessário acreditar e insistir, desprendendo-se do tempo e se colocando à disposição da imagem, a qual, com frequência, pede uma solução que não tínhamos imaginado.  

Por Renato Torres.

Última atualização
8/3/2024 14:13
Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

O desafio do suporte nas gravuras em grandes formatos

Renato Torres discute sobre os desafios técnicos e espaciais das gravuras em grandes formatos.Renato Torres discute sobre os desafios técnicos e espaciais das gravuras em grandes formatos.
Renato Torres
/
Acervo pessoal
Registro da exposição Planos Espaços, no Museu de Arte Contemporânea do Paraná, 2004.
Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
8/3/2024 9:31
Gracon

O desafio do suporte nas gravuras em grandes formatos

As gravuras normalmente são vistas como obras intimistas, de pequenas dimensões, que solicitam um olhar atento do visitante da exposição. Tratar de gravuras em grandes formatos é ir em outra direção, pois, nesses casos, a obra praticamente empurra o visitante para trás, para que possa olhá-la em seu conjunto. 

Lembro quando me formei em Gravura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, por volta do ano 2000. Tinha vontade de produzir gravuras em grandes dimensões, mas não encontrava, em Curitiba, papel de qualidade com tamanho compatível. Existia também o limite das dimensões da prensa. Naquele momento, para a exposição de formatura, optei em utilizar como suporte um papel de plotter que era vendido em rolo. Porém, devido à baixa gramatura, trabalhei sobre ele com desenho ao invés de gravura. 

Durante a produção desses trabalhos, não tinha muita consciência do que me motivava a enfrentar as grandes dimensões, mas lembro que já praticava o montanhismo e, provavelmente, as atividades ao ar livre tenham me influenciado. Lembro-me também de uma entrevista em que a artista Maria Bonomi disse que o Brasil era imenso e que, tendo algo tão grande como a Amazônia, seria impossível não trabalhar com grandes dimensões. As gravuras grandes da Maria Bonomi me inspiram até hoje, não só pelo tamanho, mas pela qualidade técnica e pela linguagem que ela desenvolveu. 

Voltando para minha produção, continuei procurando papéis em grande dimensão para gravura, mas não encontrava nada com qualidade. Em um determinado momento, alguém me sugeriu o voil, que é um tecido barato e transparente. Fui atrás do voil e, quando encontrei, fiquei encantado. Aí surgiu outra questão: qual técnica utilizar? 

Resolvi trabalhar com o linóleo. Contudo, inicialmente não gostei do resultado. Decidi, então, pincelar em nanquim sobre o linóleo as formas que vinha trabalhando e, com as goivas, passei a entalhar, contornando as pinceladas. Gostei da aparência de pintura que as matrizes assumiram. Também tive influência da pesquisa da Camila, minha esposa, que trabalhava com tintas naturais naquele momento. Passei a tingir cada pedaço de voil com um pigmento natural, o que fazia com que cada obra tivesse um cheiro diferente. Na imagem abaixo (figura 1), fica evidente a montagem não convencional feita para a exposição Planos Espaços, realizada no Museu de Arte Contemporânea do Paraná, em 2004. Foram mais ou menos quatro anos de pesquisa até chegar a um primeiro resultado satisfatório com trabalhos em grandes formatos. 

Usar o tecido como suporte abriu a possibilidade de explorar a tridimensionalidade na gravura. Acredito que essa experiência tem origem em obras que vi nas Mostras da Gravura da Cidade de Curitiba, em especial as últimas. Chamaram-me muito a atenção as gravuras-objeto e as instalações que de alguma forma se relacionavam com o conceito de gravura. Minha graduação aconteceu em paralelo às mostras, as quais promoveram discussões sobre os limites da linguagem gráfica, o que hoje chamamos de gravura no campo expandido, conforme o conceito cunhado pela crítica de arte norte americana Rosalind Krauss, no fim dos anos 1970.

Entre 2004 e 2006, explorei bastante o tecido, criando trabalhos que dialogavam com o espaço arquitetônico. As gravuras eram pensadas para o canto, para o teto, para o espectador andar em volta e sentir o cheiro, para provocar efeitos visuais durante o seu percurso pelas transparências. Nesse sentido, a leveza do suporte era tão importante quanto as estampas nele aplicadas. Na figura 1, vemos duas obras: a primeira, Adentre-se, é composta por tecidos instalados entre as portas, com o objetivo de forçar o visitante a entrar na gravura e sentir o cheiro de urucum; já a obra ao fundo, Olhar itinerante, previa uma caminhada em seu entorno estimulada pelo cheiro de açafrão de seu tingimento. 

Nesse período, começou a ser comercializado em Curitiba um papel arroz em rolo, vendido em três gramaturas diferentes. Passei a experimentar esse papel de diversas maneiras, até que cheguei a um modo interessante de imprimir. Alternava uma impressão na prensa com uma impressão que chamei de manual, pois utilizava um rolo grande apenas com a força do corpo sobre a matriz em linóleo. Essa diferença de pressão gerava uma diferença na tonalidade. Eu usava várias impressões de uma mesma matriz, a qual eu deslocava, a partir da metade da impressão anterior, e girava, explorando o efeito de sobreposição. Alterava também a cor da impressão seguinte, gerando uma passagem de cores ao longo da construção da imagem. 

Outra questão interessante é que, em cada exposição, montava as obras de maneiras diferentes. O papel em rolo, usado normalmente com entre 7 e 10 metros de comprimento e 1 metro de largura, por vezes foi exposto parcialmente enrolado (figura 2), provocando certa curiosidade no visitante. O não visível era tão interessante quanto o visível.

Figuras 2 e 3

Entre 2006 e 2012, explorei bastante o tecido e o papel arroz. De maneira geral trabalhei com gravuras nas dimensões de 2 x 1 metros, partindo de uma ideia de gravura como acontecimento, explorando matrizes prontas, nas quais fazia interferências no momento da impressão. A ideia era não entalhar as madeiras e deixar visível a história que cada matriz carregava. Na obra da figura 3, imprimi uma porta de imbuia em azul e partes de algumas mesas do ateliê em um tom claro de ocre. A sobreposição dos papéis provocava a curiosidade a respeito do que não se mostrava, da mesma forma que as partes ocultas do trabalho anterior (figura 2). Várias pessoas me perguntaram qual tecido tinha usado e se espantaram quando mostrei que era papel, não tecido. 

Para fazer essas impressões sempre contei com a ajuda de amigos, familiares e alunos das universidades onde trabalhei, pois, em se tratando de grandes dimensões, precisamos de ajuda, seja ao construir a matriz ou durante os processos de impressão. A forma de expor também solicita uma solução que deixe a gravura leve e que não comprometa a sua estrutura. O vidro, por exemplo, torna-se inviável para várias obras, sobretudo devido ao transporte e ao armazenamento.  

Atualmente, estou trabalhando de novo com o papel arroz em rolo, com sobreposição em parte da imagem, em uma dimensão total de 2 x 2 metros. Na imagem abaixo (figura 4), trabalhei com seis placas de madeirite de 2,15 x 1,10 metros, mais duas matrizes de imbuia. A ideia foi explorar, por meio de diferentes texturas, o “cheiro da chuva” na construção da imagem. As impressões foram realizadas na seguinte ordem: azul, cinza, preto e branco, criando sutis passagens de cor.

Figura 4

Trabalhar com gravuras em grandes dimensões implica em desenvolver um projeto de imagem, adaptando o que for necessário para chegar ao final. Muitas vezes, pensamos em desistir ou achamos que não vai dar certo. Mas é necessário acreditar e insistir, desprendendo-se do tempo e se colocando à disposição da imagem, a qual, com frequência, pede uma solução que não tínhamos imaginado.  

Por Renato Torres.

Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
Última atualização
8/3/2024 14:13

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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