Como educadora do sistema prisional há dez anos, tenho presenciado, das mais diversas maneiras, a complexidade do humano que nos habita. Maravilhamento é a palavra que me define quando constato que em um lugar tão improvável como o espaço prisional a ternura teima em brotar.
O projeto O verde que cura realizado em 2023 no Centro de Integração Social (CIS) — com alunas de Ensino Fundamental e Médio teve como produto final a produção de um livro de memórias intitulado Memórias de chá.
Há algum tempo venho trabalhando a escrita como um procedimento de autoria numa abordagem restaurativa, ou seja, acolho a escrita possível de cada educando a partir da mobilização de memórias, sentimentos ou percepções.
Na leitura do que foi escrito, negociamos o sentido das palavras no texto, os elementos de coesão, a sequência, a ideia a ser transmitida.
Somente a partir daí trabalho as normas da língua culta e as diferentes formas de dizer. Os educandos têm respondido bem a essa proposta e cada texto escrito me traz a esperança de uma trajetória que ao ser pensada, possa ser transformada.
Ontem, as educandas do CIS que escreveram o livro mencionado puderam experienciar a emoção de ter o seu nome citado como autoras, diante de colegas convidadas por elas, professores, pedagogos, diretores, advogados, promotores e de uma representante da Academia de Letras do Paraná. Foram aplaudidas e autografaram a própria obra.
Ali, diante dos olhos brilhantes das novas autoras e da plateia emocionada eu revivi o caminho da produção do livro: a boniteza dos olhos úmidos ao relembrarem as memórias quase esquecidas, a frequente menção às avós e aos filhos, indícios de amor e ternura. O cuidado, marca primeira da humanização.
O espaço de ervas medicinais da unidade prisional e o chá feito quase todas as manhãs e servido cheiroso e quentinho enquanto trabalhávamos com as palavras para traduzir as lembranças, foram personagens importantes na história de amor que esse livro representa.
Ao juntarmos as narrativas dos diferentes atores — educandas, professores, servidores e diretores no mesmo livro presentificamos a dimensão dialógica e horizontal do fazer educativo enquanto a escrita de si, na valorização do humano, assinala o objetivo maior da educação em presídios: a construção de uma autoria para além do delito.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.
Como educadora do sistema prisional há dez anos, tenho presenciado, das mais diversas maneiras, a complexidade do humano que nos habita. Maravilhamento é a palavra que me define quando constato que em um lugar tão improvável como o espaço prisional a ternura teima em brotar.
O projeto O verde que cura realizado em 2023 no Centro de Integração Social (CIS) — com alunas de Ensino Fundamental e Médio teve como produto final a produção de um livro de memórias intitulado Memórias de chá.
Há algum tempo venho trabalhando a escrita como um procedimento de autoria numa abordagem restaurativa, ou seja, acolho a escrita possível de cada educando a partir da mobilização de memórias, sentimentos ou percepções.
Na leitura do que foi escrito, negociamos o sentido das palavras no texto, os elementos de coesão, a sequência, a ideia a ser transmitida.
Somente a partir daí trabalho as normas da língua culta e as diferentes formas de dizer. Os educandos têm respondido bem a essa proposta e cada texto escrito me traz a esperança de uma trajetória que ao ser pensada, possa ser transformada.
Ontem, as educandas do CIS que escreveram o livro mencionado puderam experienciar a emoção de ter o seu nome citado como autoras, diante de colegas convidadas por elas, professores, pedagogos, diretores, advogados, promotores e de uma representante da Academia de Letras do Paraná. Foram aplaudidas e autografaram a própria obra.
Ali, diante dos olhos brilhantes das novas autoras e da plateia emocionada eu revivi o caminho da produção do livro: a boniteza dos olhos úmidos ao relembrarem as memórias quase esquecidas, a frequente menção às avós e aos filhos, indícios de amor e ternura. O cuidado, marca primeira da humanização.
O espaço de ervas medicinais da unidade prisional e o chá feito quase todas as manhãs e servido cheiroso e quentinho enquanto trabalhávamos com as palavras para traduzir as lembranças, foram personagens importantes na história de amor que esse livro representa.
Ao juntarmos as narrativas dos diferentes atores — educandas, professores, servidores e diretores no mesmo livro presentificamos a dimensão dialógica e horizontal do fazer educativo enquanto a escrita de si, na valorização do humano, assinala o objetivo maior da educação em presídios: a construção de uma autoria para além do delito.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.