<span class="abre-texto">Eu estava ajeitando o meu material de trabalho</span> quando ela chegou na sala, anunciando: "Professora, eu vim pra escola mas não sei nada. Eu sou especial. Não sei ler... não sei nada!". Olhei curiosa para a voz forte que se apresentava assim, sem aparente humilhação ou timidez. Ela estava ali, inteira, sem máscaras. Uma mulher negra, bonita e alegre, nos mostrando o que sabia de si. Sim, eu pensei, de imediato, você é especial!
Curiosa, me aproximei dela. Fiz algumas perguntas às quais ela respondia rindo: "Não sei, professora". Mas sabia que seu sobrenome era do avô porque ela não conhecia o pai. E ao contar isso, ela soletrou devagar seu sobrenome e o fez com a reverência de quem ostenta um troféu.
Os anos de docência, a minha curiosidade acerca das singularidades humanas e as minhas leituras sobre a Comunicação Não-Violenta e neurociência me ensinaram que a melhor estratégia e, ouso dizer, a única forma efetiva de comunicação se traduz numa palavra: acolher.
Eu sou professora das séries iniciais no sistema prisional há dez anos e a convivência com homens e mulheres à margem da sociedade muito me tem ensinado sobre os limites e possibilidades da grande incógnita que é o ser humano…
Aquele dia em que Maria (vou chamá-la assim) entrou na sala, se apresentando de forma tão desnuda de expectativas, eu estava trabalhando com a turma no projeto de um jogral para uma apresentação nas celebrações do Dia Internacional da Mulher, e então, convidei Maria para ouvir o poema.
A cada leitura feita pelas alunas, eu observava Maria. O texto dramático de Ana Trento, que expõe de forma clara as opressões vividas pela mulher, calou fundo em Maria. Algumas lembranças vieram fortes e ela interrompeu a fala das colegas: completou, discordou, aplaudiu com força!
Foi bonito de ver que as outras mulheres também acolheram Maria. E Maria, que não sabia nada, acrescentou vida às nossas discussões daquela manhã. Ela se emocionou quando o aborto foi mencionado e deu sugestões para as colegas de como se movimentar enquanto declamavam.
Perguntei a ela se gostaria de participar do jogral, ela disse que sim e escolheu dois versos que se repetiam três vezes no poema. Durante o ensaio da sua fala, ela acrescentou palavras e inflexões que a sua emoção ditava.
Sim. Maria é especial. Ela me abraça várias vezes ao dia. Ela ri o riso puro das crianças e desenha letras que não conhece com profunda seriedade. Ela me olha com amor sem nenhum pejo. Ela diz que quer aprender a ler e, enquanto isso, nos acolhe e ensina a acolher.
Acolher o outro se assemelha a abrir a porta da nossa casa ao viajante, enquanto ao mesmo tempo, batemos à porta dele, perguntando: "Posso entrar?". Acolher é dar de beber da água fresca do reconhecimento e na mesma caneca também beber.
Toda relação verdadeira se efetiva na acolhida. É a acolhida que nos permite adentrar ao outro, conhecer seus mistérios, sua forma de ser e estar no mundo e, ao mesmo tempo, é ela que nos oferece o descanso dos inúmeros protocolos de convivência, na sua grande maioria, estéreis.
Acredito que a acolhida se presentifica nas quatro dimensões da escuta descritas por Dunker (2021): acolher o que o outro disse, cuidar do que se disse, permitir-se ser quem se é e compartilhar a experiência vivida.
Na acolhida, olhamos além dos rótulos, dos papéis e das circunstâncias. Na acolhida, nos humanizamos… Somos infinitos.
O número de mortes causadas por policiais militares no estado de São Paulo quase dobraram em relação ao primeiro semestre de 2023. Neste ano, foram registrados 296 óbitos, contra 154 no mesmo período do ano passado.
As operações policiais na Baixada Santista, como a Operação Escudo e a Operação Verão, são apontadas como fatores para o aumento da violência policial.
Nesses últimos dias, meu diálogo interno teve entusiasmadas e atrapalhadas conversas, diante de momentos de puro prazer e outros de tormenta pura.
A vida segue, os tempos bons e os desafios se apresentam.
<span class="abre-texto">Eu estava ajeitando o meu material de trabalho</span> quando ela chegou na sala, anunciando: "Professora, eu vim pra escola mas não sei nada. Eu sou especial. Não sei ler... não sei nada!". Olhei curiosa para a voz forte que se apresentava assim, sem aparente humilhação ou timidez. Ela estava ali, inteira, sem máscaras. Uma mulher negra, bonita e alegre, nos mostrando o que sabia de si. Sim, eu pensei, de imediato, você é especial!
Curiosa, me aproximei dela. Fiz algumas perguntas às quais ela respondia rindo: "Não sei, professora". Mas sabia que seu sobrenome era do avô porque ela não conhecia o pai. E ao contar isso, ela soletrou devagar seu sobrenome e o fez com a reverência de quem ostenta um troféu.
Os anos de docência, a minha curiosidade acerca das singularidades humanas e as minhas leituras sobre a Comunicação Não-Violenta e neurociência me ensinaram que a melhor estratégia e, ouso dizer, a única forma efetiva de comunicação se traduz numa palavra: acolher.
Eu sou professora das séries iniciais no sistema prisional há dez anos e a convivência com homens e mulheres à margem da sociedade muito me tem ensinado sobre os limites e possibilidades da grande incógnita que é o ser humano…
Aquele dia em que Maria (vou chamá-la assim) entrou na sala, se apresentando de forma tão desnuda de expectativas, eu estava trabalhando com a turma no projeto de um jogral para uma apresentação nas celebrações do Dia Internacional da Mulher, e então, convidei Maria para ouvir o poema.
A cada leitura feita pelas alunas, eu observava Maria. O texto dramático de Ana Trento, que expõe de forma clara as opressões vividas pela mulher, calou fundo em Maria. Algumas lembranças vieram fortes e ela interrompeu a fala das colegas: completou, discordou, aplaudiu com força!
Foi bonito de ver que as outras mulheres também acolheram Maria. E Maria, que não sabia nada, acrescentou vida às nossas discussões daquela manhã. Ela se emocionou quando o aborto foi mencionado e deu sugestões para as colegas de como se movimentar enquanto declamavam.
Perguntei a ela se gostaria de participar do jogral, ela disse que sim e escolheu dois versos que se repetiam três vezes no poema. Durante o ensaio da sua fala, ela acrescentou palavras e inflexões que a sua emoção ditava.
Sim. Maria é especial. Ela me abraça várias vezes ao dia. Ela ri o riso puro das crianças e desenha letras que não conhece com profunda seriedade. Ela me olha com amor sem nenhum pejo. Ela diz que quer aprender a ler e, enquanto isso, nos acolhe e ensina a acolher.
Acolher o outro se assemelha a abrir a porta da nossa casa ao viajante, enquanto ao mesmo tempo, batemos à porta dele, perguntando: "Posso entrar?". Acolher é dar de beber da água fresca do reconhecimento e na mesma caneca também beber.
Toda relação verdadeira se efetiva na acolhida. É a acolhida que nos permite adentrar ao outro, conhecer seus mistérios, sua forma de ser e estar no mundo e, ao mesmo tempo, é ela que nos oferece o descanso dos inúmeros protocolos de convivência, na sua grande maioria, estéreis.
Acredito que a acolhida se presentifica nas quatro dimensões da escuta descritas por Dunker (2021): acolher o que o outro disse, cuidar do que se disse, permitir-se ser quem se é e compartilhar a experiência vivida.
Na acolhida, olhamos além dos rótulos, dos papéis e das circunstâncias. Na acolhida, nos humanizamos… Somos infinitos.
O número de mortes causadas por policiais militares no estado de São Paulo quase dobraram em relação ao primeiro semestre de 2023. Neste ano, foram registrados 296 óbitos, contra 154 no mesmo período do ano passado.
As operações policiais na Baixada Santista, como a Operação Escudo e a Operação Verão, são apontadas como fatores para o aumento da violência policial.
Nesses últimos dias, meu diálogo interno teve entusiasmadas e atrapalhadas conversas, diante de momentos de puro prazer e outros de tormenta pura.
A vida segue, os tempos bons e os desafios se apresentam.