Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

Feira paulistana é palco de novos hábitos e memórias da velha infância

Descubra como uma crônica de feira em São Paulo mistura novos hábitos saudáveis e doces lembranças da infância.Descubra como uma crônica de feira em São Paulo mistura novos hábitos saudáveis e doces lembranças da infância.
Arte Cidade Capital
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Adobe Firefly
Áurea Moneo

<span class="abre-texto">Quarta-feira, dia de feira</span>, com seus aromas especiais, misturados aos sons de carrinhos e abre-fecha de sacolas quase inaudíveis, sufocados por falas engraçadas de feirantes estridentes e clientes reclamando dos preços: “o tomate está pela hora da morte!”.

E a tentação do pastel, então! – mas li o artigo de meu amigo e lembrei que preciso ser forte, não cair em tentação; mais ainda, colocaria a perder o propósito da ida à feira, verdadeiro pretexto para ampliar a caminhada, numa luta insana contra a balança que não dá trégua e a favor da saúde, que também tem se manifestado a respeito nos últimos tempos.

Que bom, desta vez venceu a disciplina. Mas o desejo, não atendido, ficou cutucando e, como diria o sábio Freud, tirou-me do princípio do prazer por alguns breves instantes.

Não dei muita bola e procurei me distrair, prosseguindo na caminhada, afinal ainda longe de casa – nada como a velha alternativa da satisfação substituta, para mim quase uma sublimação, bem verdade!

Ainda lutando contra meus instintos orais canibálicos, já mais distante do objeto de desejo, surge o imprevisível. Em plena Dr. Arnaldo, na escarpa paulistana, continuação da Avenida Paulista, uma cena inusitada – de repente, passa pela via uma espécie de comboio, formado por pequenas carrocerias multicoloridas, engatadas umas nas outras, barulhentas e puxadas por uma pick-up aberta, seguido de perto por fila infindável de carros, a caminho do centro econômico.

E os dizeres, no último vagão, que certamente alegraram a todos, impedindo a proliferação de um previsível buzinaço: “Desculpem o transtorno, estamos a caminho do Hospital do câncer infantil!”.

E o espaço, por alguns instantes, ganhou um novo colorido, de encher o coração. A imaginação voou até aquelas crianças, chegando mais cedo do que o próprio comboio.

Impossível, naquele instante, não fazer conexões com a própria infância, numa verdadeira profusão de associações livres. Nada que a distância, de mais de meio século, pudesse atrapalhar: as memórias vieram borbulhantes, vívidas, como se fora brincadeira de roda, diria o poeta.

E aí a feira novamente, não a de hoje, mas aquela da vila, também às quartas, quase na esquina de casa, do lado oposto da cidade.

Trazendo reminiscências de uma época em que a vida parecia eterna, infindável, muito futuro pela frente, quase nenhuma marca do passado, praticamente um caderno em branco, passível de ser escrito de mil formas diferentes, afinal tantos sonhos, com possibilidades infinitas.

Lembrar as peripécias daqueles tempos foi instantâneo: as roupinhas de boneca, costuradas à mão e, por vezes, na velha Vigorelli de pedalar, com retalhos dos vestidos de festa, ao lado de minha mãe, ocupada com as costuras de suas clientes.

E o projeto de vendê-las. Onde? Na feira, claro! Afinal, tentar negociar com as primas não havia funcionado: o produto era consumido, mas nunca quitado... e não adiantava cobrar!

Claro que o projeto não foi adiante. Veio antes o interdito. Do pai, sempre o pai, é claro! Aqui, a culpa não era da mãe! “Você não é louca de fazer isto! Não tem licença para vender na feira”. Ué, precisava disso? Descobri depois de um lote pronto.

Bora brincar com as próprias bonecas. Bora sublimar, diante dos nãos que a vida nos dá! E dos nãos que aprendemos e precisamos nos dar. Afinal, o prazer não acaba aí: há vida pulsante por detrás destas recusas, só procurar.

Última atualização
11/4/2024 18:13
Áurea Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); pós-graduada em Psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em Psicanálise, pelo Instituto Superior de Psicanálise de Brasília. Outras formações acadêmicas: pós-graduada em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); pós-graduada em Administração, pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo; graduada em Arquitetura, pelo Mackenzie. Responsável pela gestão organizacional e pedagógica do Centro de Formação em Psicanálise Clínica – Illumen, com sede em São Paulo, desde 2010. Leciona Psicanálise, com notória especialidade, responsável pela preparação psicanalítica de novos alunos e professores do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2001.

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Feira paulistana é palco de novos hábitos e memórias da velha infância

Descubra como uma crônica de feira em São Paulo mistura novos hábitos saudáveis e doces lembranças da infância.Descubra como uma crônica de feira em São Paulo mistura novos hábitos saudáveis e doces lembranças da infância.
Arte Cidade Capital
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Áurea Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); pós-graduada em Psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em Psicanálise, pelo Instituto Superior de Psicanálise de Brasília. Outras formações acadêmicas: pós-graduada em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); pós-graduada em Administração, pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo; graduada em Arquitetura, pelo Mackenzie. Responsável pela gestão organizacional e pedagógica do Centro de Formação em Psicanálise Clínica – Illumen, com sede em São Paulo, desde 2010. Leciona Psicanálise, com notória especialidade, responsável pela preparação psicanalítica de novos alunos e professores do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2001.
11/4/2024 18:12
Áurea Moneo

Feira paulistana é palco de novos hábitos e memórias da velha infância

<span class="abre-texto">Quarta-feira, dia de feira</span>, com seus aromas especiais, misturados aos sons de carrinhos e abre-fecha de sacolas quase inaudíveis, sufocados por falas engraçadas de feirantes estridentes e clientes reclamando dos preços: “o tomate está pela hora da morte!”.

E a tentação do pastel, então! – mas li o artigo de meu amigo e lembrei que preciso ser forte, não cair em tentação; mais ainda, colocaria a perder o propósito da ida à feira, verdadeiro pretexto para ampliar a caminhada, numa luta insana contra a balança que não dá trégua e a favor da saúde, que também tem se manifestado a respeito nos últimos tempos.

Que bom, desta vez venceu a disciplina. Mas o desejo, não atendido, ficou cutucando e, como diria o sábio Freud, tirou-me do princípio do prazer por alguns breves instantes.

Não dei muita bola e procurei me distrair, prosseguindo na caminhada, afinal ainda longe de casa – nada como a velha alternativa da satisfação substituta, para mim quase uma sublimação, bem verdade!

Ainda lutando contra meus instintos orais canibálicos, já mais distante do objeto de desejo, surge o imprevisível. Em plena Dr. Arnaldo, na escarpa paulistana, continuação da Avenida Paulista, uma cena inusitada – de repente, passa pela via uma espécie de comboio, formado por pequenas carrocerias multicoloridas, engatadas umas nas outras, barulhentas e puxadas por uma pick-up aberta, seguido de perto por fila infindável de carros, a caminho do centro econômico.

E os dizeres, no último vagão, que certamente alegraram a todos, impedindo a proliferação de um previsível buzinaço: “Desculpem o transtorno, estamos a caminho do Hospital do câncer infantil!”.

E o espaço, por alguns instantes, ganhou um novo colorido, de encher o coração. A imaginação voou até aquelas crianças, chegando mais cedo do que o próprio comboio.

Impossível, naquele instante, não fazer conexões com a própria infância, numa verdadeira profusão de associações livres. Nada que a distância, de mais de meio século, pudesse atrapalhar: as memórias vieram borbulhantes, vívidas, como se fora brincadeira de roda, diria o poeta.

E aí a feira novamente, não a de hoje, mas aquela da vila, também às quartas, quase na esquina de casa, do lado oposto da cidade.

Trazendo reminiscências de uma época em que a vida parecia eterna, infindável, muito futuro pela frente, quase nenhuma marca do passado, praticamente um caderno em branco, passível de ser escrito de mil formas diferentes, afinal tantos sonhos, com possibilidades infinitas.

Lembrar as peripécias daqueles tempos foi instantâneo: as roupinhas de boneca, costuradas à mão e, por vezes, na velha Vigorelli de pedalar, com retalhos dos vestidos de festa, ao lado de minha mãe, ocupada com as costuras de suas clientes.

E o projeto de vendê-las. Onde? Na feira, claro! Afinal, tentar negociar com as primas não havia funcionado: o produto era consumido, mas nunca quitado... e não adiantava cobrar!

Claro que o projeto não foi adiante. Veio antes o interdito. Do pai, sempre o pai, é claro! Aqui, a culpa não era da mãe! “Você não é louca de fazer isto! Não tem licença para vender na feira”. Ué, precisava disso? Descobri depois de um lote pronto.

Bora brincar com as próprias bonecas. Bora sublimar, diante dos nãos que a vida nos dá! E dos nãos que aprendemos e precisamos nos dar. Afinal, o prazer não acaba aí: há vida pulsante por detrás destas recusas, só procurar.

Áurea Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); pós-graduada em Psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em Psicanálise, pelo Instituto Superior de Psicanálise de Brasília. Outras formações acadêmicas: pós-graduada em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); pós-graduada em Administração, pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo; graduada em Arquitetura, pelo Mackenzie. Responsável pela gestão organizacional e pedagógica do Centro de Formação em Psicanálise Clínica – Illumen, com sede em São Paulo, desde 2010. Leciona Psicanálise, com notória especialidade, responsável pela preparação psicanalítica de novos alunos e professores do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2001.
Última atualização
11/4/2024 18:13

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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