Quando vasculhamos um pouco os anais de nossa história, surgem evidências de uma época bem diferente, em que mulheres eram tidas e respeitadas como deusas, sendo reverenciadas pelos homens.
A principal razão residia no fato de que elas eram tidas como únicas responsáveis pela reprodução da espécie, num tempo em que ainda não havia a noção da participação do sêmen neste fenômeno, como bem nos relata Regina Navarro Lins, na introdução de seu livro A cama na varanda (Editora BestSeller, 476 páginas, R$ 50).
Pode-se dizer que, neste caso específico, a ignorância foi uma bênção, já que homens e mulheres viviam em harmonia, numa relação de respeito mútuo, apesar da diferença de força física existente entre ambos.
À medida em que a noção sobre a fecundação vai se revelando, a situação de parceria até então existente entre os sexos passa a sofrer significativas mudanças e uma inversão de valores se impõe – o homem, vendo-se poderoso, capaz de fecundar várias mulheres, toma para si este status de divindade e estabelece o patriarcado, como forma de submeter suas fêmeas sob seu comando, assumindo-as como propriedade.
E assim, uma vez destronadas, a vida se torna bem mais limitada para as mulheres, submetidas ao jugo de seus donos.
Biologicamente falando, nada de diferente ocorreu entre estes nossos ancestrais, do período paleolítico para o neolítico, a justificar tal mudança de comportamento. O que mudou foi a percepção de mundo e, consequentemente, a nova cultura que se estabeleceu e, convenhamos, perdura, de uma forma um pouco mais atenuada talvez, até os dias de hoje.
Este parece ser o ponto nevrálgico desta importante questão: o papel da cultura na base da naturalização de certos padrões, colocando o homem como cabeça de chave, inclusive na sociedade contemporânea.
Pesquisa de 2014, conduzida pela Plan International Brasil, organização de defesa dos direitos da criança, intitulada Por ser menina no Brasil: crescendo entre direitos e violências, reforça este aspecto, ao mostrar que a jornada dupla feminina no Brasil já começa na infância.
O estudo ouviu 1.771 meninas de 6 a 14 anos, classe média-baixa, nas cinco regiões do país e constatou forte desigualdade na distribuição de tarefas domésticas entre meninas e meninos:
“Para se ter uma ideia do tamanho desse abismo, 81,4% das meninas arrumam sua cama x 11,6% dos irmãos meninos; 76,8% das meninas lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 12,5% dos irmãos lavam a louça e 11,4% limpam a casa, uma sobrecarga de atividades para as meninas que se acentua nos casos em que as mães possuem duplas jornadas de trabalho: as meninas assumem mais responsabilidades no cuidado com a casa que os irmãos, tendo menos tempo para se dedicarem ao estudo e às brincadeiras”.
Interessante, pois são estas mesmas mulheres, chefes de família, que perpetuam a diferença de responsabilidades entre meninos e meninas através da distribuição não equitativa de tarefas, poupando seus filhos homens e sobrecarregando suas filhas mulheres.
Este mesmo Instituto fez nova pesquisa, pós-covid, com 2.589 participantes meninas, agora com idade entre 14 e 19 anos e a desigualdade continua – elas ainda realizam o dobro de trabalhos domésticos que os meninos (67,2% das meninas contra 31,9% dos meninos).
“É dentro de casa que as meninas mais sofrem com a violência física (30,7%), violência sexual (24,7%) e violência psicológica (29,5%). Quase todas as participantes da pesquisa (94,2%) já presenciaram ao menos uma situação de violência, sofrida por elas ou pessoas próximas. Um dado preocupante é de que 25,9% das meninas não procuraram ajuda. Elas relatam que os pais e adultos responsáveis não acreditaram nelas, o que levou ao não encaminhamento dos casos”.
Não só no Brasil vivenciamos estas diferenças de percepção, a conferirem sensação de desvantagens em ser mulher. Judith Viorst, em seu livro Perdas necessárias (Editora Melhoramentos, 320 páginas, R$ 40) relata uma pesquisa feita nos EUA com crianças da 3ª à 12ª série: “o que aconteceria se você descobrisse, ao acordar, que mudou de sexo?”.
Meninos responderam: “seria burra, fraca – todos seriam melhores do que eu; teria que me preocupar com aparência física; meu trabalho seria o trivial: cozinhar, lavar, ser mãe; as atividades seriam restritas e eu não seria bem tratado”.
Meninas concordaram, ao responder: “faria as coisas melhor do que faço agora; toda minha vida seria mais fácil; talvez meu pai me amasse.
Ou seja, há uma forte naturalização destas diferenças entre homens e mulheres, decorrentes da cultura.
Neste contexto, o que falar sobre o estupro, praticado ainda hoje em nossa sociedade? E não irei sequer mencionar a barbárie quando o estupro ocorre com crianças, assunto que irei explorar em outro artigo.
Antes vamos recorrer a Freud para entender acerca da pulsão sexual. Para ele, no reino animal, trata-se de um instinto ligado à preservação da espécie, mas que no humano assume outras funções, podendo avançar e atender necessidades como segurança, reconhecimento, autoamor e amor pelo outro, quando há um equilíbrio entre pulsão de vida, marcada por Eros, e de morte, marcada por Tanatos. Vejamos sua fala acerca do instinto, em Esboço da psicanálise, já no final de sua jornada, em 1938:
“Nas funções biológicas, os dois instintos básicos (Eros, instinto de vida e Tanatos, instinto de morte) operam um contra o outro ou combinam-se mutuamente. Assim, o ato de comer é uma destruição do objeto com o objetivo final de incorporá-lo, e o ato sexual é um ato de regressão com o intuito da mais íntima união".
“Modificações nas proporções da fusão entre os instintos (de vida e de morte) apresentam os resultados mais tangíveis. Um excesso de agressividade sexual transformará um amante num criminoso sexual, enquanto uma nítida diminuição no fator agressivo torná-lo-á acanhado ou impotente”.
Mas o que se vê, no caso do estupro, vai além do desequilíbrio entre Eros e Tanatos – é a sexualidade à serviço da pulsão de morte, no seu aspecto mais comezinho: dominação, imposição, subjugação, realizado por alguém que menospreza a vítima.
Ressentimentos recalcados, raiva, desprezo pelo outro? No mínimo!
Uma ação deliberada que se manifesta em formatos distintos, promovida tanto por conquistadores bárbaros a imporem sua supremacia, maculando as mulheres dos povos dominados – a se observar nos ataques antigos e recentes dos países em guerra – quanto por indivíduos altamente infelizes, isolados ou em grupos, sobre mulheres que julgam merecedoras do ato infame – vide casos recentes e recorrentes de indianos descarregando suas mazelas em pobres criaturas, ou ainda e não menos abjeta, uma escolha perpetrada por pretensos homens aparentemente bem resolvidos, incapazes de colocar um freio em seus impulsos – casos infames como os divulgados nos noticiários, envolvendo nossos jogadores.
E como vencer este tipo de pulsão de morte manifesta por alguns, a escancarar o lado podre do patriarcado e envergonhando a todos, homens e mulheres?
Uma resposta difícil; mas, negar o fato, fingir que não acontece e perpetuar a impunidade certamente não é a melhor alternativa. Que os recentes casos midiáticos sejam passíveis de ampla discussão e de punição exemplar, uma vez que a censura moral, interna, destes indivíduos, ainda é insuficiente. E, mais, que a reprovação pública e a quebra da impunidade possam frear o ímpeto daqueles que se acham acima da lei e afrontam, com sua incapacidade de inibição quanto à meta sexual, o respeito e a dignidade que o outro merece.
O festival de música Rock in Rio inicia nesta sexta-feira (13) e segue até domingo (22) na Cidade do Rock, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O evento completa 40 anos da sua primeira edição e promete uma celebração histórica. A organização espera receber mais de 700 mil pessoas, entre moradores do estado, turistas brasileiros e estrangeiros.
Pesquisa do Instituto Alana indica que nove em cada dez brasileiros acreditam que as redes sociais não protegem crianças e adolescentes. O levantamento, realizado pelo Datafolha, ouviu 2.009 pessoas, com 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, entre os dias 12 e 18 de julho.
Segundo o estudo, divulgado nesta quinta-feira (12), 97% dos entrevistados defendem que as empresas deveriam adotar medidas para proteger crianças e adolescentes na internet, através da comprovação de identidade, melhoria no atendimento ao consumidor para denúncias, proibição de publicidade e venda para crianças, fim da reprodução automática e da rolagem infinita de vídeos e limitação de tempo de uso dos serviços.
Quando vasculhamos um pouco os anais de nossa história, surgem evidências de uma época bem diferente, em que mulheres eram tidas e respeitadas como deusas, sendo reverenciadas pelos homens.
A principal razão residia no fato de que elas eram tidas como únicas responsáveis pela reprodução da espécie, num tempo em que ainda não havia a noção da participação do sêmen neste fenômeno, como bem nos relata Regina Navarro Lins, na introdução de seu livro A cama na varanda (Editora BestSeller, 476 páginas, R$ 50).
Pode-se dizer que, neste caso específico, a ignorância foi uma bênção, já que homens e mulheres viviam em harmonia, numa relação de respeito mútuo, apesar da diferença de força física existente entre ambos.
À medida em que a noção sobre a fecundação vai se revelando, a situação de parceria até então existente entre os sexos passa a sofrer significativas mudanças e uma inversão de valores se impõe – o homem, vendo-se poderoso, capaz de fecundar várias mulheres, toma para si este status de divindade e estabelece o patriarcado, como forma de submeter suas fêmeas sob seu comando, assumindo-as como propriedade.
E assim, uma vez destronadas, a vida se torna bem mais limitada para as mulheres, submetidas ao jugo de seus donos.
Biologicamente falando, nada de diferente ocorreu entre estes nossos ancestrais, do período paleolítico para o neolítico, a justificar tal mudança de comportamento. O que mudou foi a percepção de mundo e, consequentemente, a nova cultura que se estabeleceu e, convenhamos, perdura, de uma forma um pouco mais atenuada talvez, até os dias de hoje.
Este parece ser o ponto nevrálgico desta importante questão: o papel da cultura na base da naturalização de certos padrões, colocando o homem como cabeça de chave, inclusive na sociedade contemporânea.
Pesquisa de 2014, conduzida pela Plan International Brasil, organização de defesa dos direitos da criança, intitulada Por ser menina no Brasil: crescendo entre direitos e violências, reforça este aspecto, ao mostrar que a jornada dupla feminina no Brasil já começa na infância.
O estudo ouviu 1.771 meninas de 6 a 14 anos, classe média-baixa, nas cinco regiões do país e constatou forte desigualdade na distribuição de tarefas domésticas entre meninas e meninos:
“Para se ter uma ideia do tamanho desse abismo, 81,4% das meninas arrumam sua cama x 11,6% dos irmãos meninos; 76,8% das meninas lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 12,5% dos irmãos lavam a louça e 11,4% limpam a casa, uma sobrecarga de atividades para as meninas que se acentua nos casos em que as mães possuem duplas jornadas de trabalho: as meninas assumem mais responsabilidades no cuidado com a casa que os irmãos, tendo menos tempo para se dedicarem ao estudo e às brincadeiras”.
Interessante, pois são estas mesmas mulheres, chefes de família, que perpetuam a diferença de responsabilidades entre meninos e meninas através da distribuição não equitativa de tarefas, poupando seus filhos homens e sobrecarregando suas filhas mulheres.
Este mesmo Instituto fez nova pesquisa, pós-covid, com 2.589 participantes meninas, agora com idade entre 14 e 19 anos e a desigualdade continua – elas ainda realizam o dobro de trabalhos domésticos que os meninos (67,2% das meninas contra 31,9% dos meninos).
“É dentro de casa que as meninas mais sofrem com a violência física (30,7%), violência sexual (24,7%) e violência psicológica (29,5%). Quase todas as participantes da pesquisa (94,2%) já presenciaram ao menos uma situação de violência, sofrida por elas ou pessoas próximas. Um dado preocupante é de que 25,9% das meninas não procuraram ajuda. Elas relatam que os pais e adultos responsáveis não acreditaram nelas, o que levou ao não encaminhamento dos casos”.
Não só no Brasil vivenciamos estas diferenças de percepção, a conferirem sensação de desvantagens em ser mulher. Judith Viorst, em seu livro Perdas necessárias (Editora Melhoramentos, 320 páginas, R$ 40) relata uma pesquisa feita nos EUA com crianças da 3ª à 12ª série: “o que aconteceria se você descobrisse, ao acordar, que mudou de sexo?”.
Meninos responderam: “seria burra, fraca – todos seriam melhores do que eu; teria que me preocupar com aparência física; meu trabalho seria o trivial: cozinhar, lavar, ser mãe; as atividades seriam restritas e eu não seria bem tratado”.
Meninas concordaram, ao responder: “faria as coisas melhor do que faço agora; toda minha vida seria mais fácil; talvez meu pai me amasse.
Ou seja, há uma forte naturalização destas diferenças entre homens e mulheres, decorrentes da cultura.
Neste contexto, o que falar sobre o estupro, praticado ainda hoje em nossa sociedade? E não irei sequer mencionar a barbárie quando o estupro ocorre com crianças, assunto que irei explorar em outro artigo.
Antes vamos recorrer a Freud para entender acerca da pulsão sexual. Para ele, no reino animal, trata-se de um instinto ligado à preservação da espécie, mas que no humano assume outras funções, podendo avançar e atender necessidades como segurança, reconhecimento, autoamor e amor pelo outro, quando há um equilíbrio entre pulsão de vida, marcada por Eros, e de morte, marcada por Tanatos. Vejamos sua fala acerca do instinto, em Esboço da psicanálise, já no final de sua jornada, em 1938:
“Nas funções biológicas, os dois instintos básicos (Eros, instinto de vida e Tanatos, instinto de morte) operam um contra o outro ou combinam-se mutuamente. Assim, o ato de comer é uma destruição do objeto com o objetivo final de incorporá-lo, e o ato sexual é um ato de regressão com o intuito da mais íntima união".
“Modificações nas proporções da fusão entre os instintos (de vida e de morte) apresentam os resultados mais tangíveis. Um excesso de agressividade sexual transformará um amante num criminoso sexual, enquanto uma nítida diminuição no fator agressivo torná-lo-á acanhado ou impotente”.
Mas o que se vê, no caso do estupro, vai além do desequilíbrio entre Eros e Tanatos – é a sexualidade à serviço da pulsão de morte, no seu aspecto mais comezinho: dominação, imposição, subjugação, realizado por alguém que menospreza a vítima.
Ressentimentos recalcados, raiva, desprezo pelo outro? No mínimo!
Uma ação deliberada que se manifesta em formatos distintos, promovida tanto por conquistadores bárbaros a imporem sua supremacia, maculando as mulheres dos povos dominados – a se observar nos ataques antigos e recentes dos países em guerra – quanto por indivíduos altamente infelizes, isolados ou em grupos, sobre mulheres que julgam merecedoras do ato infame – vide casos recentes e recorrentes de indianos descarregando suas mazelas em pobres criaturas, ou ainda e não menos abjeta, uma escolha perpetrada por pretensos homens aparentemente bem resolvidos, incapazes de colocar um freio em seus impulsos – casos infames como os divulgados nos noticiários, envolvendo nossos jogadores.
E como vencer este tipo de pulsão de morte manifesta por alguns, a escancarar o lado podre do patriarcado e envergonhando a todos, homens e mulheres?
Uma resposta difícil; mas, negar o fato, fingir que não acontece e perpetuar a impunidade certamente não é a melhor alternativa. Que os recentes casos midiáticos sejam passíveis de ampla discussão e de punição exemplar, uma vez que a censura moral, interna, destes indivíduos, ainda é insuficiente. E, mais, que a reprovação pública e a quebra da impunidade possam frear o ímpeto daqueles que se acham acima da lei e afrontam, com sua incapacidade de inibição quanto à meta sexual, o respeito e a dignidade que o outro merece.
O festival de música Rock in Rio inicia nesta sexta-feira (13) e segue até domingo (22) na Cidade do Rock, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O evento completa 40 anos da sua primeira edição e promete uma celebração histórica. A organização espera receber mais de 700 mil pessoas, entre moradores do estado, turistas brasileiros e estrangeiros.
Pesquisa do Instituto Alana indica que nove em cada dez brasileiros acreditam que as redes sociais não protegem crianças e adolescentes. O levantamento, realizado pelo Datafolha, ouviu 2.009 pessoas, com 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, entre os dias 12 e 18 de julho.
Segundo o estudo, divulgado nesta quinta-feira (12), 97% dos entrevistados defendem que as empresas deveriam adotar medidas para proteger crianças e adolescentes na internet, através da comprovação de identidade, melhoria no atendimento ao consumidor para denúncias, proibição de publicidade e venda para crianças, fim da reprodução automática e da rolagem infinita de vídeos e limitação de tempo de uso dos serviços.