<span class="abre-texto">Tenho observado a expressiva recorrência</span> de exemplos sobre o que seria um comportamento típico de um narcisista. Parece que o termo ganhou certa relevância nas mídias sociais.
Como de médicos, loucos e narcisistas, cada um de nós tem um pouco, proponho aqui um exercício sobre a noção de narcisismo em Freud, sem a pretensão de aprofundar o conceito, mas resgatando aquilo que seria interessante para esta reflexão.
Em algum momento de sua trajetória, após se inspirar no mito de Narciso e formular uma teoria sobre o narcisismo, Freud propõe uma diferenciação entre o que ele define como narcisismo primário e secundário. O primeiro é típico do bebê, enquanto ainda não percebe o outro, fase em que descarrega toda sua energia psíquica em si mesmo. Já o segundo é quando, aos poucos, o indivíduo descobre que há algo fora de seu mundo e, para além disso, começa a perceber que depende do outro (aliás, a grande marca do humano).
Nesse sentido, ao ingressarmos no narcisismo secundário, dele nunca mais sairemos, já que somos seres sociais, dependentes, em alguma medida, uns dos outros. Algum grau de narcisismo existe em cada um de nós: buscamos provisões de segurança e de reconhecimento daqueles que consideramos importantes em nossa vida relacional. Ou quando investimos na construção de uma carreira, nas relações de amizade, no amor, esperando um certo retorno favorável a esses movimentos e que se soma à nossa própria satisfação por essas conquistas.
A grande questão que se coloca é se essa dependência da validação do outro está calibrada ou exagerada. É nessa segunda hipótese que podemos vislumbrar comportamentos ditos narcisistas, deixando claro que o narcisismo é um traço inerente ao humano.
Não podemos, claro, deixar de mencionar o atual laço social, marcado pelo excesso de exposição e pela máxima do “preciso ser feliz... agora... e sempre”: o que tende a nos levar a exagerar no aparentar ser, já que não é possível atender, o tempo todo, essa expectativa de sermos, de fato, um ser incrivelmente bem resolvido, de sucesso, infalível. Isso nós desejamos acreditar, em algum momento de nossa existência, quando nosso mundo ainda era mágico, repleto de super-heróis!
Como, para muitos, a fase mágica persiste e vale qualquer coisa para manter essa ilusão, seja porque faltou o devido acolhimento na infância, gerando um buraco a ser preenchido de alguma forma, seja porque houve excesso de provisão de segurança e reconhecimento, gerando um dependente emocional viciado no retorno dessas provisões feitas em coisas, pessoas ou sistemas, uma das soluções é o uso da carapaça narcisista.
Estamos, portanto, narcisos, quando exageramos na dependência. Agudamente, isso faz parte até que recobramos a lucidez de que nem sempre agradamos e que sobrevivemos, mesmo quando não recebemos ou perdemos algo. O problema é quando tal dependência, narcísica, torna-se um comportamento crônico. E o narcisista é um dependente crônico.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.
<span class="abre-texto">Tenho observado a expressiva recorrência</span> de exemplos sobre o que seria um comportamento típico de um narcisista. Parece que o termo ganhou certa relevância nas mídias sociais.
Como de médicos, loucos e narcisistas, cada um de nós tem um pouco, proponho aqui um exercício sobre a noção de narcisismo em Freud, sem a pretensão de aprofundar o conceito, mas resgatando aquilo que seria interessante para esta reflexão.
Em algum momento de sua trajetória, após se inspirar no mito de Narciso e formular uma teoria sobre o narcisismo, Freud propõe uma diferenciação entre o que ele define como narcisismo primário e secundário. O primeiro é típico do bebê, enquanto ainda não percebe o outro, fase em que descarrega toda sua energia psíquica em si mesmo. Já o segundo é quando, aos poucos, o indivíduo descobre que há algo fora de seu mundo e, para além disso, começa a perceber que depende do outro (aliás, a grande marca do humano).
Nesse sentido, ao ingressarmos no narcisismo secundário, dele nunca mais sairemos, já que somos seres sociais, dependentes, em alguma medida, uns dos outros. Algum grau de narcisismo existe em cada um de nós: buscamos provisões de segurança e de reconhecimento daqueles que consideramos importantes em nossa vida relacional. Ou quando investimos na construção de uma carreira, nas relações de amizade, no amor, esperando um certo retorno favorável a esses movimentos e que se soma à nossa própria satisfação por essas conquistas.
A grande questão que se coloca é se essa dependência da validação do outro está calibrada ou exagerada. É nessa segunda hipótese que podemos vislumbrar comportamentos ditos narcisistas, deixando claro que o narcisismo é um traço inerente ao humano.
Não podemos, claro, deixar de mencionar o atual laço social, marcado pelo excesso de exposição e pela máxima do “preciso ser feliz... agora... e sempre”: o que tende a nos levar a exagerar no aparentar ser, já que não é possível atender, o tempo todo, essa expectativa de sermos, de fato, um ser incrivelmente bem resolvido, de sucesso, infalível. Isso nós desejamos acreditar, em algum momento de nossa existência, quando nosso mundo ainda era mágico, repleto de super-heróis!
Como, para muitos, a fase mágica persiste e vale qualquer coisa para manter essa ilusão, seja porque faltou o devido acolhimento na infância, gerando um buraco a ser preenchido de alguma forma, seja porque houve excesso de provisão de segurança e reconhecimento, gerando um dependente emocional viciado no retorno dessas provisões feitas em coisas, pessoas ou sistemas, uma das soluções é o uso da carapaça narcisista.
Estamos, portanto, narcisos, quando exageramos na dependência. Agudamente, isso faz parte até que recobramos a lucidez de que nem sempre agradamos e que sobrevivemos, mesmo quando não recebemos ou perdemos algo. O problema é quando tal dependência, narcísica, torna-se um comportamento crônico. E o narcisista é um dependente crônico.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.