<span class="abre-texto">O trabalho em casa, ou home office</span>, fortaleceu-se a partir da pandemia da Covid e, desde então, a mudança é assunto para diversas discussões. Há os que defendem e há os que não gostam. Penso que há benefícios indiscutíveis: ganhamos tempo de vida, não precisamos nos deslocar e, com isso, podemos realizar diversas atividades que possivelmente seriam retiradas da nossa rotina.
Na outra ponta, precisamos refletir sobre um aspecto importante. Nossa casa costuma ser o local de descanso, de reposição de energia e de desfrutar de prazeres, nosso espaço seguro, protegido e de intimidade. Nela entram apenas pessoas em quem confiamos e queremos por perto, escolhidas e convidadas por nós. Mas esse espaço, até então seguro, virou o ambiente de trabalho onde, por vezes, pessoas em quem não confiamos ou que sequer conhecemos entram.
Você já se sentiu invadido, física ou emocionalmente, durante o trabalho em casa? Quando temos nosso espaço íntimo invadido, o desconforto se estabelece rapidamente.
Se não sabemos dar nome a esse desconforto, se não conhecemos a razão de senti-lo, possivelmente também não sabemos o que fazer ou que decisões tomar para lidar com ele.
Esse desconforto também pode nos levar a estabelecer relações não saudáveis, envolver-nos em conflitos e termos a sensação constante de que algo nunca está bom o suficiente. Existem outras maneiras disso acontecer. Quando os outros tomam decisões por nós, por exemplo. Ou quando pessoas dão palpite sem serem convidadas ou autorizadas, quando o outro impõe uma maneira como devemos nos comportar ou reagir em determinado momento.
Se não fazemos nossa parte, pode ser que o outro faça por nós. E quando estamos falando de relacionamento, somos 100% responsáveis pelos nossos 50%. Isso quer dizer que nós precisamos cuidar para não invadir o espaço do outro e também não permitir que o outro invada o nosso espaço. Se o outro invade o nosso território, pode ser que nós não estejamos colocando os limites de maneira clara.
É sobre esses limites que nos convido a pensar. Até onde as pessoas podem ir conosco física e emocionalmente? Qual é o nosso espaço seguro? Quem pode avançar nesse espaço?
Às vezes, precisamos reconfigurar e ajustar a nossa casa para trabalhar de uma maneira que não nos sintamos invadidos. Às vezes, é preciso reconfigurar nossa vida e nossos relacionamentos, fazer novos contratos, dialogar sobre expectativas e necessidades para que tenhamos nosso espaço seguro.
É fácil? Não. Mas a vida pode ser muito mais leve. Uma vez que os limites são estabelecidos, eles serão eternos? Também não. Nós nos atualizamos todos os dias, e novos limites se fazem necessários, novos diálogos se tornam fundamentais, novos espaços físicos precisam ser reconfigurados para atender à demanda do momento.
Para que isso ocorra é preciso ter consciência. Nós não nos damos conta disso sozinhos e precisamos do apoio de alguém de fora, que pode ajudar a ampliar o olhar. É sinal de saúde e força. É preciso coragem para mergulhar no universo interno e mais coragem ainda para tomar decisões diferentes daquelas que demos conta até aqui.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.
<span class="abre-texto">O trabalho em casa, ou home office</span>, fortaleceu-se a partir da pandemia da Covid e, desde então, a mudança é assunto para diversas discussões. Há os que defendem e há os que não gostam. Penso que há benefícios indiscutíveis: ganhamos tempo de vida, não precisamos nos deslocar e, com isso, podemos realizar diversas atividades que possivelmente seriam retiradas da nossa rotina.
Na outra ponta, precisamos refletir sobre um aspecto importante. Nossa casa costuma ser o local de descanso, de reposição de energia e de desfrutar de prazeres, nosso espaço seguro, protegido e de intimidade. Nela entram apenas pessoas em quem confiamos e queremos por perto, escolhidas e convidadas por nós. Mas esse espaço, até então seguro, virou o ambiente de trabalho onde, por vezes, pessoas em quem não confiamos ou que sequer conhecemos entram.
Você já se sentiu invadido, física ou emocionalmente, durante o trabalho em casa? Quando temos nosso espaço íntimo invadido, o desconforto se estabelece rapidamente.
Se não sabemos dar nome a esse desconforto, se não conhecemos a razão de senti-lo, possivelmente também não sabemos o que fazer ou que decisões tomar para lidar com ele.
Esse desconforto também pode nos levar a estabelecer relações não saudáveis, envolver-nos em conflitos e termos a sensação constante de que algo nunca está bom o suficiente. Existem outras maneiras disso acontecer. Quando os outros tomam decisões por nós, por exemplo. Ou quando pessoas dão palpite sem serem convidadas ou autorizadas, quando o outro impõe uma maneira como devemos nos comportar ou reagir em determinado momento.
Se não fazemos nossa parte, pode ser que o outro faça por nós. E quando estamos falando de relacionamento, somos 100% responsáveis pelos nossos 50%. Isso quer dizer que nós precisamos cuidar para não invadir o espaço do outro e também não permitir que o outro invada o nosso espaço. Se o outro invade o nosso território, pode ser que nós não estejamos colocando os limites de maneira clara.
É sobre esses limites que nos convido a pensar. Até onde as pessoas podem ir conosco física e emocionalmente? Qual é o nosso espaço seguro? Quem pode avançar nesse espaço?
Às vezes, precisamos reconfigurar e ajustar a nossa casa para trabalhar de uma maneira que não nos sintamos invadidos. Às vezes, é preciso reconfigurar nossa vida e nossos relacionamentos, fazer novos contratos, dialogar sobre expectativas e necessidades para que tenhamos nosso espaço seguro.
É fácil? Não. Mas a vida pode ser muito mais leve. Uma vez que os limites são estabelecidos, eles serão eternos? Também não. Nós nos atualizamos todos os dias, e novos limites se fazem necessários, novos diálogos se tornam fundamentais, novos espaços físicos precisam ser reconfigurados para atender à demanda do momento.
Para que isso ocorra é preciso ter consciência. Nós não nos damos conta disso sozinhos e precisamos do apoio de alguém de fora, que pode ajudar a ampliar o olhar. É sinal de saúde e força. É preciso coragem para mergulhar no universo interno e mais coragem ainda para tomar decisões diferentes daquelas que demos conta até aqui.
Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.
A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".
Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.
Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.