Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

Círculos Restaurativos são prática social que une gerações

Com 68 anos, educadora expande uso de Círculos Restaurativos em cursos, promovendo práticas sociais e comunicação não-violenta.Com 68 anos, educadora expande uso de Círculos Restaurativos em cursos, promovendo práticas sociais e comunicação não-violenta.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Jane Hir

<span class="abre-texto">Nos projetos que tenho e que ainda insistem</span> em acordar em mim, apesar dos meus 68 anos, um deles é o de ampliar a minha atuação nos cursos de Comunicação Não-Violenta e na aplicação de uma metodologia de trabalho em grupo que traz em sua filosofia o germe da comunicação compassiva: o Círculo de Construção de Paz ou Círculo Restaurativo, como também é conhecido.

Aprendi a ler e a escrever em uma roda. Sentada em círculo com meus irmãos e irmãs, ouvíamos enlevados as histórias que a nossa avó contava. Todos os dias à tardinha, ela sentava a netarada nos grandes bancos de madeira dispostos em roda na varanda da casa para nos ensinar a ler o mundo.

Nessas rodas eu ouvia palavras difíceis que iam se desnudando conforme o desenrolar da história e a interpretação do timbre de voz e da expressão facial da minha avó. Palavras que eu ia guardando como tesouros e que hoje me constituem também uma contadora de histórias vividas e imaginadas.

Talvez seja essa a causa particular da minha conexão com os Círculos enquanto possibilidade de encontro real. No entanto, a origem dos Círculos Restaurativos está ligada à história da humanidade, pois remonta aos primeiros círculos humanos: uma formação natural de pessoas sentadas ao redor de uma fogueira, movidas pela necessidade de acesso ao calor e à luz de maneira igualitária.

Era assim há muito tempo e continua sendo assim em algumas comunidades indígenas da América do Norte: sentados em uma grande roda eles dialogam entre si para celebrar a colheita, tomar uma decisão ou resolver os problemas da comunidade.

A vivência do círculo remete à simbologia da interconectividade sistêmica em seu cerimonial: a simbologia de um objeto que passa de mão em mão como bastão de fala, uma peça de centro — tapete ou toalha de formato circular no centro da roda, as perguntas que vão mobilizar as falas e as cerimônias de abertura e de encerramento.

O ato de abrir e fechar a roda “marca o círculo como um espaço sagrado” (PRANIS, 2010).

Essas cerimônias podem ser um canto, um poema, uma história, uma oração ou dinâmica em sintonia com a faixa etária ou perfil do grupo.

A cerimônia de abertura anuncia o início da presença e convida todos a estarem atentos. A cerimônia de encerramento reconhece a conexão gerada, acolhe a partilha feita e gera esperança.

As perguntas mobilizadoras devem ser cuidadosamente elaboradas para facilitar a expressão de todos para além da superfície dos fatos. Quando bem formuladas, essas perguntas encorajam os participantes a falarem de si, de suas histórias e vivências e a manter o foco no que está vivo nelas — o sentimento.

Assim, o facilitador precisa, além de fazer as perguntas adequadas ao tema, estar conectado ao que for trazido no círculo. O tempo de cada rodada dependerá da necessidade do grupo de se expressar de maneira mais detalhada ou não, e o número de rodadas dependerá do tempo de cada rodada e da sintonia da vivência para os quais o facilitador estará empaticamente atento.

Como educadora, tenho trabalhado com os Círculos de Construção de Paz em todas as séries e posso afirmar que, bem conduzidos, eles são espaços seguros, momentos de encontro real que atualmente vêm sendo retomados e recriados como uma metodologia de prática social em resposta à desconexão dos indivíduos, à liquidez das relações e à ausência de presença efetiva.

O Círculo Restaurativo ou Círculo de Construção de Paz mobiliza em nós o princípio da interconectividade enquanto fenômeno ontológico e social que nos guia dentro do Círculo no exato momento de seu acontecer, mas que também nos guia fora dele, pois ao se constituir em experiência vivida, pode, quando pautada pela reflexão crítica, tornar-se dispositivo para a mudança de nossos padrões de comportamento, reafirmando o nosso pertencimento à espécie humana.

Referências

PRANIS, Kay. Processos circulares. São Paulo: Palas Athena, v. 40, 2010.

Última atualização
13/4/2024 19:45
Jane Hir
Mestra em Educação (UFPR); Professora de língua portuguesa; Especialista em Educação de Jovens e Adultos; Facilitadora de Práticas Restaurativas — Eseje (2017) e SCJR/Coonozco (2018); Especialista em Práticas Restaurativas, com enfoque em Direitos Humanos (PUCPR); Especialista em Neurociências, Psicologia Positiva e Mindfulness (PUCPR).

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

Círculos Restaurativos são prática social que une gerações

Com 68 anos, educadora expande uso de Círculos Restaurativos em cursos, promovendo práticas sociais e comunicação não-violenta.Com 68 anos, educadora expande uso de Círculos Restaurativos em cursos, promovendo práticas sociais e comunicação não-violenta.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Jane Hir
Mestra em Educação (UFPR); Professora de língua portuguesa; Especialista em Educação de Jovens e Adultos; Facilitadora de Práticas Restaurativas — Eseje (2017) e SCJR/Coonozco (2018); Especialista em Práticas Restaurativas, com enfoque em Direitos Humanos (PUCPR); Especialista em Neurociências, Psicologia Positiva e Mindfulness (PUCPR).
13/4/2024 19:37
Jane Hir

Círculos Restaurativos são prática social que une gerações

<span class="abre-texto">Nos projetos que tenho e que ainda insistem</span> em acordar em mim, apesar dos meus 68 anos, um deles é o de ampliar a minha atuação nos cursos de Comunicação Não-Violenta e na aplicação de uma metodologia de trabalho em grupo que traz em sua filosofia o germe da comunicação compassiva: o Círculo de Construção de Paz ou Círculo Restaurativo, como também é conhecido.

Aprendi a ler e a escrever em uma roda. Sentada em círculo com meus irmãos e irmãs, ouvíamos enlevados as histórias que a nossa avó contava. Todos os dias à tardinha, ela sentava a netarada nos grandes bancos de madeira dispostos em roda na varanda da casa para nos ensinar a ler o mundo.

Nessas rodas eu ouvia palavras difíceis que iam se desnudando conforme o desenrolar da história e a interpretação do timbre de voz e da expressão facial da minha avó. Palavras que eu ia guardando como tesouros e que hoje me constituem também uma contadora de histórias vividas e imaginadas.

Talvez seja essa a causa particular da minha conexão com os Círculos enquanto possibilidade de encontro real. No entanto, a origem dos Círculos Restaurativos está ligada à história da humanidade, pois remonta aos primeiros círculos humanos: uma formação natural de pessoas sentadas ao redor de uma fogueira, movidas pela necessidade de acesso ao calor e à luz de maneira igualitária.

Era assim há muito tempo e continua sendo assim em algumas comunidades indígenas da América do Norte: sentados em uma grande roda eles dialogam entre si para celebrar a colheita, tomar uma decisão ou resolver os problemas da comunidade.

A vivência do círculo remete à simbologia da interconectividade sistêmica em seu cerimonial: a simbologia de um objeto que passa de mão em mão como bastão de fala, uma peça de centro — tapete ou toalha de formato circular no centro da roda, as perguntas que vão mobilizar as falas e as cerimônias de abertura e de encerramento.

O ato de abrir e fechar a roda “marca o círculo como um espaço sagrado” (PRANIS, 2010).

Essas cerimônias podem ser um canto, um poema, uma história, uma oração ou dinâmica em sintonia com a faixa etária ou perfil do grupo.

A cerimônia de abertura anuncia o início da presença e convida todos a estarem atentos. A cerimônia de encerramento reconhece a conexão gerada, acolhe a partilha feita e gera esperança.

As perguntas mobilizadoras devem ser cuidadosamente elaboradas para facilitar a expressão de todos para além da superfície dos fatos. Quando bem formuladas, essas perguntas encorajam os participantes a falarem de si, de suas histórias e vivências e a manter o foco no que está vivo nelas — o sentimento.

Assim, o facilitador precisa, além de fazer as perguntas adequadas ao tema, estar conectado ao que for trazido no círculo. O tempo de cada rodada dependerá da necessidade do grupo de se expressar de maneira mais detalhada ou não, e o número de rodadas dependerá do tempo de cada rodada e da sintonia da vivência para os quais o facilitador estará empaticamente atento.

Como educadora, tenho trabalhado com os Círculos de Construção de Paz em todas as séries e posso afirmar que, bem conduzidos, eles são espaços seguros, momentos de encontro real que atualmente vêm sendo retomados e recriados como uma metodologia de prática social em resposta à desconexão dos indivíduos, à liquidez das relações e à ausência de presença efetiva.

O Círculo Restaurativo ou Círculo de Construção de Paz mobiliza em nós o princípio da interconectividade enquanto fenômeno ontológico e social que nos guia dentro do Círculo no exato momento de seu acontecer, mas que também nos guia fora dele, pois ao se constituir em experiência vivida, pode, quando pautada pela reflexão crítica, tornar-se dispositivo para a mudança de nossos padrões de comportamento, reafirmando o nosso pertencimento à espécie humana.

Referências

PRANIS, Kay. Processos circulares. São Paulo: Palas Athena, v. 40, 2010.

Jane Hir
Mestra em Educação (UFPR); Professora de língua portuguesa; Especialista em Educação de Jovens e Adultos; Facilitadora de Práticas Restaurativas — Eseje (2017) e SCJR/Coonozco (2018); Especialista em Práticas Restaurativas, com enfoque em Direitos Humanos (PUCPR); Especialista em Neurociências, Psicologia Positiva e Mindfulness (PUCPR).
Última atualização
13/4/2024 19:45

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Cidade Capital é um projeto de jornalismo.

47.078.846/0001-08

secretaria@cidade.capital