Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

A vergonha enquanto ferida incurável

Explorando os perigos da difamação digital e seu papel na crescente incidência de depressão e suicídio entre jovens no Brasil, em um apelo por mais empatia.Explorando os perigos da difamação digital e seu papel na crescente incidência de depressão e suicídio entre jovens no Brasil, em um apelo por mais empatia.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Marta Moneo

<span class="abre-texto">Andando por vielas, ruas e avenidas</span> da grande metrópole, não há olhar que não se turve diante da dor alheia, especialmente aquela percebida pela observação dos quadros evidentes de adoecimento orgânico. No entanto, quanta cegueira se consubstancia ante a quieta e soturna enfermidade da alma... essa, a transitar entre urros e silêncios nos labirintos da dor psíquica.

Diversas são as causas do padecimento a marcarem as faces que passam por nós. E, mesmo que pudéssemos identificá-las, se não aprendermos a compreender a angústia que se aninha no outro, pouco poderemos contribuir para atenuar o que segue tão perto de nossos passos: crianças, adolescentes, adultos e idosos envolvidos em inimagináveis enredos internos geradores de sofrimento.

Recentemente, em dezembro de 2023, uma inesperada perda irrompeu no noticiário nacional, esboçando como pano de fundo um transtorno psíquico conhecido: a depressão – hoje reconhecida como a doença do século pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e doença de caráter ocupacional no Brasil.

Uma jovem de 22 anos, que já enfrentava uma crise depressiva por perdas de pessoas importantes em sua vida, foi alvo de um massacre público por conta de mentiras digitais fabricadas por um perfil de fofocas nas redes sociais. Nas falsas conversas, ela era implicada em um relacionamento amoroso com um famoso humorista.

Mesmo tendo desmentido e questionado os responsáveis, nada foi feito pelos promotores da difamação, causando um estrago emocional gigantesco à adolescente: ela se viu ridicularizada e ameaçada por uma legião de desconhecidos, tanto quanto se percebeu sem forças para se defender. E o resultado disso? A garota tirou a própria vida a três dias da confraternização familiar de Natal.

A vergonha é um sentir extremamente perigoso, pois, na relação com ela, a pessoa não se resgata, não visualiza meios de se reparar para si mesma. Em outros termos, a vergonha é uma experiência emocional desconstrutiva do autoamor, vindo acompanhada por sentimentos de menos valia e de uma robusta impressão de não possuir capacidade para mudar o rumo das coisas (impotência) – pode ser traduzida como uma leitura autodepreciativa do Self, para o qual não há perdão nem restauração.

Estamos falhando severamente no âmbito das relações interpessoais. É imperioso voltar a nos mirar mais acolhedoramente, trocar com o outro o que de melhor tivermos em nossa construção pessoal virtuosa. E, ao mirar, passar a admirar.

Aliás, é importante lembrar a origem desse verbo latino, ad- ‘a, para’ + mirare, ‘olhar, contemplar’, cujo antônimo é o verbo blasfemar (alguns correlatos: caluniar, difamar, ofender, apelar).

Precisamos urgentemente fazer uso consciente e responsável da internet e demais redes sociais, entendendo que é possível se conectar de forma prazerosa sem escarnecer ou ridicularizar quem quer que seja.

Já passou a hora de construirmos uma sociedade interligada por valores mais evoluídos e sensíveis ao bem-estar psíquico e emocional de todos.

Não é possível permitir que situações similares aconteçam, especialmente àqueles que se encontram altamente vulneráveis em suas vivências – e sabemos que crianças e adolescentes estão no topo das estatísticas brasileiras nesse sentido.

Crise

A depressão pode levar a mais tentativas suicidas e ao lastimável sucesso delas. Aproximadamente mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 e 19 anos, cometem suicídio no Brasil a cada ano, conforme dados da série histórica levantada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021 – registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Quem busca notoriedade e admiração blasfemando contra alguém não passa, na verdade, de um ser ainda brutalizado na cadeia evolutiva da civilização, engatinhando pela vida em estado embrionário no construto amar.

Para esse, infelizmente, misericórdia não basta. É preciso fazê-lo parar para aprender a respeitar o que vai além de seu sadismo narcísico. Há um transbordar de dores inaudíveis, cujas feridas sequer imaginamos. Exatamente por isso, para quem se esbalda através de likes mergulhados em mentiras, menções vexatórias e humilhantes, segue imprescindível uma cabal interdição!

Última atualização
25/1/2024 17:31
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

A vergonha enquanto ferida incurável

Explorando os perigos da difamação digital e seu papel na crescente incidência de depressão e suicídio entre jovens no Brasil, em um apelo por mais empatia.Explorando os perigos da difamação digital e seu papel na crescente incidência de depressão e suicídio entre jovens no Brasil, em um apelo por mais empatia.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.
11/1/2024 15:23
Marta Moneo

A dor invisível da depressão e o impacto devastador das redes sociais

<span class="abre-texto">Andando por vielas, ruas e avenidas</span> da grande metrópole, não há olhar que não se turve diante da dor alheia, especialmente aquela percebida pela observação dos quadros evidentes de adoecimento orgânico. No entanto, quanta cegueira se consubstancia ante a quieta e soturna enfermidade da alma... essa, a transitar entre urros e silêncios nos labirintos da dor psíquica.

Diversas são as causas do padecimento a marcarem as faces que passam por nós. E, mesmo que pudéssemos identificá-las, se não aprendermos a compreender a angústia que se aninha no outro, pouco poderemos contribuir para atenuar o que segue tão perto de nossos passos: crianças, adolescentes, adultos e idosos envolvidos em inimagináveis enredos internos geradores de sofrimento.

Recentemente, em dezembro de 2023, uma inesperada perda irrompeu no noticiário nacional, esboçando como pano de fundo um transtorno psíquico conhecido: a depressão – hoje reconhecida como a doença do século pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e doença de caráter ocupacional no Brasil.

Uma jovem de 22 anos, que já enfrentava uma crise depressiva por perdas de pessoas importantes em sua vida, foi alvo de um massacre público por conta de mentiras digitais fabricadas por um perfil de fofocas nas redes sociais. Nas falsas conversas, ela era implicada em um relacionamento amoroso com um famoso humorista.

Mesmo tendo desmentido e questionado os responsáveis, nada foi feito pelos promotores da difamação, causando um estrago emocional gigantesco à adolescente: ela se viu ridicularizada e ameaçada por uma legião de desconhecidos, tanto quanto se percebeu sem forças para se defender. E o resultado disso? A garota tirou a própria vida a três dias da confraternização familiar de Natal.

A vergonha é um sentir extremamente perigoso, pois, na relação com ela, a pessoa não se resgata, não visualiza meios de se reparar para si mesma. Em outros termos, a vergonha é uma experiência emocional desconstrutiva do autoamor, vindo acompanhada por sentimentos de menos valia e de uma robusta impressão de não possuir capacidade para mudar o rumo das coisas (impotência) – pode ser traduzida como uma leitura autodepreciativa do Self, para o qual não há perdão nem restauração.

Estamos falhando severamente no âmbito das relações interpessoais. É imperioso voltar a nos mirar mais acolhedoramente, trocar com o outro o que de melhor tivermos em nossa construção pessoal virtuosa. E, ao mirar, passar a admirar.

Aliás, é importante lembrar a origem desse verbo latino, ad- ‘a, para’ + mirare, ‘olhar, contemplar’, cujo antônimo é o verbo blasfemar (alguns correlatos: caluniar, difamar, ofender, apelar).

Precisamos urgentemente fazer uso consciente e responsável da internet e demais redes sociais, entendendo que é possível se conectar de forma prazerosa sem escarnecer ou ridicularizar quem quer que seja.

Já passou a hora de construirmos uma sociedade interligada por valores mais evoluídos e sensíveis ao bem-estar psíquico e emocional de todos.

Não é possível permitir que situações similares aconteçam, especialmente àqueles que se encontram altamente vulneráveis em suas vivências – e sabemos que crianças e adolescentes estão no topo das estatísticas brasileiras nesse sentido.

Crise

A depressão pode levar a mais tentativas suicidas e ao lastimável sucesso delas. Aproximadamente mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 e 19 anos, cometem suicídio no Brasil a cada ano, conforme dados da série histórica levantada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021 – registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Quem busca notoriedade e admiração blasfemando contra alguém não passa, na verdade, de um ser ainda brutalizado na cadeia evolutiva da civilização, engatinhando pela vida em estado embrionário no construto amar.

Para esse, infelizmente, misericórdia não basta. É preciso fazê-lo parar para aprender a respeitar o que vai além de seu sadismo narcísico. Há um transbordar de dores inaudíveis, cujas feridas sequer imaginamos. Exatamente por isso, para quem se esbalda através de likes mergulhados em mentiras, menções vexatórias e humilhantes, segue imprescindível uma cabal interdição!

Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.
Última atualização
25/1/2024 17:31

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

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