Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

A psique humana e o excesso de patologização

Artigo discute o impacto da educação e do excesso de proteção na saúde emocional das crianças, questionando a tendência de patologizar comportamentos infantis.Artigo discute o impacto da educação e do excesso de proteção na saúde emocional das crianças, questionando a tendência de patologizar comportamentos infantis.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Áurea Moneo

<span class="abre-texto">Em recente</span> live, cujo tema central era a difícil arte de fazer escolhas e o risco de adoecer decorrente da incapacidade de elaborar as não escolhas às quais somos submetidos em nossa caminhada pela vida, uma intervenção chamou a atenção. O comentário – relato de uma mãe angustiada, sentindo-se culpada pelas reações de timidez excessiva do filho caçula, de apenas oito anos, que se sentiu rejeitado por uma amiga na escola. Na sequência do evento, o garoto foi encaminhado ao consultório e lá diagnosticado pelo terapeuta como portador da Síndrome da Frustração.

O evento em si não é novidade na clínica – a dificuldade de muitas crianças e adolescentes em lidarem com a frustração. O que saltou aos olhos foi o enquadramento deste fenômeno como sendo uma “doença”.

Voltando à mãe, talvez ela estivesse se sentindo mal, enquanto cuidadora, arrependida por não ter sido magnânima – aliás, quem o é? – quando das oportunidades de fazer interditos adequados, permitindo ao filho suportar e lidar com as frustrações, ou por ter sido muito rígida, ou por ter sido muito branda, laissez-faire.

De fato, parece que a ausência dos pais, muito ocupados em trabalhar para dar melhores condições de vida aos filhos, neste caso, foi um fator que os levou a reparações em casa, via tentativa de suprir a falta com bens materiais, algo muito recorrente na clínica.

A angústia e o sentimento de fracasso experimentados por essa mãe decorrem da constatação em perceber seu filho frágil, incapaz de lidar com desagradável. Seu excesso de zelo, até então, não permitiram ao filho vivenciar momentos mais controlados de frustração, de ócio e serviram muito mais para ela, cuidadora (o que também se estende ao pai), para que ambos não se sentissem culpados e, ao mesmo tempo, pudessem desfrutar de momentos de paz em casa, já que educar com limites dá trabalho.

Esta não é uma visão isolada. Afinal, acreditando que temos que fazer nossos filhos felizes, tirá-los do princípio do prazer seria algo nocivo, motivo de vergonha ou autorrecriminação e, no entanto, já diria Freud, não há evolução sem que se entre no princípio da realidade, sem que se experimente o interdito, sem que o sujeito se submeta a castração, para que aprenda a viver em sociedade, respeitando o outro e a si mesmo.

De fato, observamos ser muito recorrente, nas crianças e adolescentes de hoje, a ausência de musculatura emocional para lidar com as frustrações, por vezes pequenas, para quem olha de fora e, no entanto, para eles gigantes, já que não houve um treino para tal, como se nós, cuidadores de hoje, virássemos as costas para o que propunham nossos antepassados, com um rigor que, certamente, não gostaríamos de reproduzir.

Mas, indo ao extremo oposto, também fascinados pelas promessas do consumo, nos abandonamos na aceleração frenética voltada para o ter e erramos no ponto: cuidar das crianças, estabelecendo limites, passou a ser uma tarefa que escolhemos declinar, é cansativo, dá trabalho!

Agora, voltando ao ponto do início deste artigo, dar o nome de síndrome, parece-me patologizar demais o fenômeno. Será que educar para que a criança consiga deixar de lado prazeres imediatos e, futuramente, seja capaz de dizer não a si mesma, diante de tantos estímulos que a vida traz, fazendo escolhas mais pertinentes, as quais seria capaz de bancar, sem prejudicar a si mesma ou ao outro, pode ter se transformado em uma patologia?

Quando eu me aproprio de um fenômeno que é claramente decorrente de um mal-estar social, por valores no mínimo equivocados, de como lidar com os desafios educacionais dentro de casa e o transformo em doença, eu eximo a sociedade da sua participação neste processo e devolvo para o sujeito a responsabilidade de achar uma solução que, normalmente, passa inclusive pela medicalização.

Não estaríamos patologizando demais os comportamentos, buscando enquadramentos, como se o sujeito precisasse caber na Cama de Procusto, quando o problema não é exatamente o sujeito e sim a cama? Acho que vale a pena refletirmos a respeito.

Última atualização
18/1/2024 14:39
Áurea Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); pós-graduada em Psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em Psicanálise, pelo Instituto Superior de Psicanálise de Brasília. Outras formações acadêmicas: pós-graduada em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); pós-graduada em Administração, pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo; graduada em Arquitetura, pelo Mackenzie. Responsável pela gestão organizacional e pedagógica do Centro de Formação em Psicanálise Clínica – Illumen, com sede em São Paulo, desde 2010. Leciona Psicanálise, com notória especialidade, responsável pela preparação psicanalítica de novos alunos e professores do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2001.

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Opinião

A psique humana e o excesso de patologização

Artigo discute o impacto da educação e do excesso de proteção na saúde emocional das crianças, questionando a tendência de patologizar comportamentos infantis.Artigo discute o impacto da educação e do excesso de proteção na saúde emocional das crianças, questionando a tendência de patologizar comportamentos infantis.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Áurea Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); pós-graduada em Psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em Psicanálise, pelo Instituto Superior de Psicanálise de Brasília. Outras formações acadêmicas: pós-graduada em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); pós-graduada em Administração, pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo; graduada em Arquitetura, pelo Mackenzie. Responsável pela gestão organizacional e pedagógica do Centro de Formação em Psicanálise Clínica – Illumen, com sede em São Paulo, desde 2010. Leciona Psicanálise, com notória especialidade, responsável pela preparação psicanalítica de novos alunos e professores do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2001.
19/12/2023 11:32
Áurea Moneo

'Síndrome da Frustração' é novo rótulo para desafios infantis?

<span class="abre-texto">Em recente</span> live, cujo tema central era a difícil arte de fazer escolhas e o risco de adoecer decorrente da incapacidade de elaborar as não escolhas às quais somos submetidos em nossa caminhada pela vida, uma intervenção chamou a atenção. O comentário – relato de uma mãe angustiada, sentindo-se culpada pelas reações de timidez excessiva do filho caçula, de apenas oito anos, que se sentiu rejeitado por uma amiga na escola. Na sequência do evento, o garoto foi encaminhado ao consultório e lá diagnosticado pelo terapeuta como portador da Síndrome da Frustração.

O evento em si não é novidade na clínica – a dificuldade de muitas crianças e adolescentes em lidarem com a frustração. O que saltou aos olhos foi o enquadramento deste fenômeno como sendo uma “doença”.

Voltando à mãe, talvez ela estivesse se sentindo mal, enquanto cuidadora, arrependida por não ter sido magnânima – aliás, quem o é? – quando das oportunidades de fazer interditos adequados, permitindo ao filho suportar e lidar com as frustrações, ou por ter sido muito rígida, ou por ter sido muito branda, laissez-faire.

De fato, parece que a ausência dos pais, muito ocupados em trabalhar para dar melhores condições de vida aos filhos, neste caso, foi um fator que os levou a reparações em casa, via tentativa de suprir a falta com bens materiais, algo muito recorrente na clínica.

A angústia e o sentimento de fracasso experimentados por essa mãe decorrem da constatação em perceber seu filho frágil, incapaz de lidar com desagradável. Seu excesso de zelo, até então, não permitiram ao filho vivenciar momentos mais controlados de frustração, de ócio e serviram muito mais para ela, cuidadora (o que também se estende ao pai), para que ambos não se sentissem culpados e, ao mesmo tempo, pudessem desfrutar de momentos de paz em casa, já que educar com limites dá trabalho.

Esta não é uma visão isolada. Afinal, acreditando que temos que fazer nossos filhos felizes, tirá-los do princípio do prazer seria algo nocivo, motivo de vergonha ou autorrecriminação e, no entanto, já diria Freud, não há evolução sem que se entre no princípio da realidade, sem que se experimente o interdito, sem que o sujeito se submeta a castração, para que aprenda a viver em sociedade, respeitando o outro e a si mesmo.

De fato, observamos ser muito recorrente, nas crianças e adolescentes de hoje, a ausência de musculatura emocional para lidar com as frustrações, por vezes pequenas, para quem olha de fora e, no entanto, para eles gigantes, já que não houve um treino para tal, como se nós, cuidadores de hoje, virássemos as costas para o que propunham nossos antepassados, com um rigor que, certamente, não gostaríamos de reproduzir.

Mas, indo ao extremo oposto, também fascinados pelas promessas do consumo, nos abandonamos na aceleração frenética voltada para o ter e erramos no ponto: cuidar das crianças, estabelecendo limites, passou a ser uma tarefa que escolhemos declinar, é cansativo, dá trabalho!

Agora, voltando ao ponto do início deste artigo, dar o nome de síndrome, parece-me patologizar demais o fenômeno. Será que educar para que a criança consiga deixar de lado prazeres imediatos e, futuramente, seja capaz de dizer não a si mesma, diante de tantos estímulos que a vida traz, fazendo escolhas mais pertinentes, as quais seria capaz de bancar, sem prejudicar a si mesma ou ao outro, pode ter se transformado em uma patologia?

Quando eu me aproprio de um fenômeno que é claramente decorrente de um mal-estar social, por valores no mínimo equivocados, de como lidar com os desafios educacionais dentro de casa e o transformo em doença, eu eximo a sociedade da sua participação neste processo e devolvo para o sujeito a responsabilidade de achar uma solução que, normalmente, passa inclusive pela medicalização.

Não estaríamos patologizando demais os comportamentos, buscando enquadramentos, como se o sujeito precisasse caber na Cama de Procusto, quando o problema não é exatamente o sujeito e sim a cama? Acho que vale a pena refletirmos a respeito.

Áurea Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); pós-graduada em Psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em Psicanálise, pelo Instituto Superior de Psicanálise de Brasília. Outras formações acadêmicas: pós-graduada em Marketing, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); pós-graduada em Administração, pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo; graduada em Arquitetura, pelo Mackenzie. Responsável pela gestão organizacional e pedagógica do Centro de Formação em Psicanálise Clínica – Illumen, com sede em São Paulo, desde 2010. Leciona Psicanálise, com notória especialidade, responsável pela preparação psicanalítica de novos alunos e professores do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2001.
Última atualização
18/1/2024 14:39

Compreender o passado ajuda a construir um presente consciente

Eu e minhas circunstâncias à busca de propósito

Maku de Almeida
19/5/2024 16:26

Uma sequência de decisões me trouxe até aqui. Nem todas foram boas ou sensatas. Algumas foram realmente muito ruins. Gosto muito deste "aqui" e fico tentada a pensar: eu chegaria até aqui por outro caminho? Há coisas que ainda quero iluminar. Não me falta coragem. Mas há grandes e sensacionais conquistas. Portanto, gratidão ao aqui. Pois o lá já virou pó.

A respeito disso, um filósofo espanhol que eu aprecio sem moderação, José Ortega y Gasset, em seu livro Meditaciones del Quijote, diz: “eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela, não salvo a mim".

Preparar panquecas e viver é uma receita de amor e paciência

Jane Hir
19/5/2024 16:08

Algumas comidas são marcadas pelo afeto. Tenho memória afetiva de muitas e entre elas está a panqueca. Na minha infância, que já transcorreu há muito tempo, a mágica das rodelas de massa dourada sendo viradas em um gesto preciso era realizada pela minha avó.

Em uma época de poucas variedades alimentícias, pelo menos para uma família numerosa como a nossa e mantida por um pai operário, a panqueca recheada de doce de leite feito em casa ou apenas polvilhada com açúcar e canela, assumia ares de requinte.

Cidade Capital é um projeto de jornalismo.

47.078.846/0001-08

secretaria@cidade.capital