Corrida para a Prefeitura de Curitiba

Opinião

A problemática digital no reduto dos dedos

A crescente preocupação com o vício em jogos online e apostas digitais, e seus impactos na saúde mental e desenvolvimento dos jovens.A crescente preocupação com o vício em jogos online e apostas digitais, e seus impactos na saúde mental e desenvolvimento dos jovens.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Marta Moneo

<span class="abre-texto">A evolução tecnológica propicia</span>, de modo surpreendente, o acesso a fartas e diversificadas realizações no campo das necessidades protetivas e de valorização, ora atendendo a urgências a nós inerentes, ora àquelas nem tanto.

E sobre estas, destaco as demandas vindas da intensa, fácil e acessível oferta ao envolvimento em jogos de entretenimento online, hábeis em capturar o sujeito à viciação, em especial a quem se encontra nas fases iniciais do desenvolvimento (biológico, psicoemocional, cognitivo e social) como a quem transita pela singular e vulnerável construção identitária no tempo de adolescer.

Ao pontuar aqui a questão das brincadeiras massivamente disponibilizadas em celulares, tablets, videogames e computadores, quero fazer um recorte muito específico: o universo dos jogos de apostas, de azar, bets esportivas e o que opera mediante pagamento à aquisição de itens a mudança de fases, geralmente via cartão de crédito.

Amparada por estratégias publicitárias envolvendo influenciadores e personalidades de diferentes segmentos, a indústria dos certames em rede, aparentemente esportivos ou lúdicos, cria e suscita desejos no indivíduo – os quais, ao serem retroalimentados por ganhos iniciais ou satisfações imediatas que elevam a autoconfiança, contaminam-se de um estado de dependência acionado pela liberação de altos níveis de um já bastante falado neurotransmissor: a dopamina.

Em excesso, tal substância atua no sistema de recompensa cerebral estimulando a excitabilidade e a compulsão à repetição, tanto quanto diminui o discernimento do sujeito sobre riscos.

“A dependência por apostas é semelhante à dependência química. O vício faz com que a pessoa coloque a vida em risco, pegando dinheiro emprestado com agiotas para apostar”, afirma Marcelo Palácio, da clínica terapêutica Casa Despertar, em Aquiraz-CE. Cita que pelo menos duas pessoas por dia chegam em busca de orientação para tratamento relacionado ao vício em apostas online. “Quando o jogador ganha, sente aquela dopamina, uma sensação de prazer parecida com a produzida pelo uso de entorpecentes. Quando perde, tem a mesma depressão e ressaca moral que a droga traz”, explica.

Em nosso complexo psíquico, o desejo eclode de experiências bem-sucedidas de satisfação, geradoras de sensações ou percepções agradáveis. E enveredando por circuitos mentais do sistema límbico (responsável pelo controle do comportamento emocional), em particular nos quintais do infantilizado Eu, tais desejos podem se transmutar em necessidades vitais ao resgate de autoestimas comprometidas pela dor, abandono, traumas, solidão e sentimentos de menos valia.

Na imensa maioria dos ambientes onde a juventude circula, confere-se a existência do aspecto viral de entretenimento online, em que muitos – mas, muitos mesmo! – veem-se literalmente enredados no vício, sofrendo (e fazendo familiares se afligirem junto) ao se perceberem incapazes em lidar com a angústia da abstinência e, ainda mais desesperadamente, não encontrando saídas a uma espécie de vergonha onde o arrependimento não faz qualquer diferença a sua apreensão.

Em entrevista a um programa televisivo, a vítima de um esquema de aposta denominado "Jogo do Tigre" desabafa:  "Eu comecei a jogar através de uma blogueira que eu seguia lá na minha cidade. Em 2 meses a mulher comprou um carro zero. Ai a gente fica deslumbrado...em 15 minutos, eu perdi meu salário todo. No segundo mês, perdi de novo o meu salário. O terceiro mês, eu perdi de novo. juntando os 3 salários e todo o dinheiro que eu perdi, uns 17 mil por aí. Eu prefiro nem contar, dá uma coisa ruim".

Ao não vivenciar mais as sensações sensoriais agradáveis durante o jogo (passar de fase sem gastar/ganhar dinheiro) e se sentir incapaz em quitar dívidas decorrentes de compras ou insucesso nas apostas – valores por vezes impagáveis –, o adicto digital pode, no processo antagônico ao estado afetivo de recompensa que é o de punição, presente no sistema límbico ante as experiências desagradáveis, recorrer a soluções desvirtuosas, como mentir e furtar, e a outras extremamente nefastas, listando aqui a drogadição, o trato com agiotas e o suicídio como tristes caminhos à paz interna que lhe escapou das mãos.

Derivado do latim TENERE (manter, segurar) e do espanhol ENTRETENER (segurar entre, manter entre), o termo entretenimento denota "uma ideia de estado em suspensão ou intermediário que, no extremo, transmitiria uma impressão de imobilidade, de estagnação, de quase paralisia". Revista Mídia e Cotidiano Editorial Volume 12, Número 2, agosto de 2018 ENTRETENIMENTO E VIDA COTIDIANA: NARRATIVAS E CONSUMO, Laura CÁNEPA e Tiago MONTEIRO.

Resta aqui uma consideração importante, para não proceder um juízo de valor generalizado sobre atividades que se propõem a promover o divertimento virtual; para tanto, retomo o que destaquei acima sobre os jogos de azar, como poker/cassinos digitais e os que vinculam o lazer/prazer a aquisição de itens, fomentando dívidas em um momento de imobilidade em discernir, de estagnação perante riscos, de quase paralisia em desligar-se de uma satisfação ilusória que compromete, sob todos os aspectos, a saúde e o futuro de quem mergulha psíquica e emocionalmente nesse mundo paralelo, tão perto das mãos, na pontinha dos dedos como no toque de quem tateia o seio materno para sorver dele o deleite, em sua sede por amor.

Essa nova modalidade de um brincar patológico tem se instalado despercebidamente nos espaços mentais da população juvenil e adulta, adentrando espaços de concreto e convívio... acomodando-se enquanto sistema de ‘entretenimento’ – extremamente rentável e para lá de perverso.

Finalizando: a prática de apostas esportivas online em plataformas de jogos (as denominadas bets) recebe, em 30/12/2023, sanção presidencial e vira a Lei 14.790/23 (Fonte: Agência Câmara de Notícias). A regulação, contudo, centra-se largamente em questões de mérito arrecadatório e de publicidade; ao que se refere à ponta mais frágil da relação de consumo, a proteção ao indivíduo se restringe a impedir o acesso de menores de 18 anos e de pessoas diagnosticadas com distúrbios de jogo – como essa indústria faz essa seleção efetiva, realmente ninguém sabe!

Última atualização
9/2/2024 13:38
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.

Mortes por PMs quase dobram no início de 2024, em São Paulo

Mortes por PMs quase dobram no início de 2024, em São Paulo

Redação Cidade Capital
26/7/2024 10:02

O número de mortes causadas por policiais militares no estado de São Paulo quase dobraram em relação ao primeiro semestre de 2023. Neste ano, foram registrados 296 óbitos, contra 154 no mesmo período do ano passado.

As operações policiais na Baixada Santista, como a Operação Escudo e a Operação Verão, são apontadas como fatores para o aumento da violência policial.

Decisões diárias e reflexões sobre o caos interno

Decisões diárias e reflexões sobre o caos interno

Carolina Schmitz da Silva
26/7/2024 9:27

Nesses últimos dias, meu diálogo interno teve entusiasmadas e atrapalhadas conversas, diante de momentos de puro prazer e outros de tormenta pura. 

A vida segue, os tempos bons e os desafios se apresentam.

Opinião

A problemática digital no reduto dos dedos

A crescente preocupação com o vício em jogos online e apostas digitais, e seus impactos na saúde mental e desenvolvimento dos jovens.A crescente preocupação com o vício em jogos online e apostas digitais, e seus impactos na saúde mental e desenvolvimento dos jovens.
Arte Cidade Capital
/
Adobe Firefly
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.
25/1/2024 17:42
Marta Moneo

Lazer digital se torna ameaça à saúde mental, apontam estudos

<span class="abre-texto">A evolução tecnológica propicia</span>, de modo surpreendente, o acesso a fartas e diversificadas realizações no campo das necessidades protetivas e de valorização, ora atendendo a urgências a nós inerentes, ora àquelas nem tanto.

E sobre estas, destaco as demandas vindas da intensa, fácil e acessível oferta ao envolvimento em jogos de entretenimento online, hábeis em capturar o sujeito à viciação, em especial a quem se encontra nas fases iniciais do desenvolvimento (biológico, psicoemocional, cognitivo e social) como a quem transita pela singular e vulnerável construção identitária no tempo de adolescer.

Ao pontuar aqui a questão das brincadeiras massivamente disponibilizadas em celulares, tablets, videogames e computadores, quero fazer um recorte muito específico: o universo dos jogos de apostas, de azar, bets esportivas e o que opera mediante pagamento à aquisição de itens a mudança de fases, geralmente via cartão de crédito.

Amparada por estratégias publicitárias envolvendo influenciadores e personalidades de diferentes segmentos, a indústria dos certames em rede, aparentemente esportivos ou lúdicos, cria e suscita desejos no indivíduo – os quais, ao serem retroalimentados por ganhos iniciais ou satisfações imediatas que elevam a autoconfiança, contaminam-se de um estado de dependência acionado pela liberação de altos níveis de um já bastante falado neurotransmissor: a dopamina.

Em excesso, tal substância atua no sistema de recompensa cerebral estimulando a excitabilidade e a compulsão à repetição, tanto quanto diminui o discernimento do sujeito sobre riscos.

“A dependência por apostas é semelhante à dependência química. O vício faz com que a pessoa coloque a vida em risco, pegando dinheiro emprestado com agiotas para apostar”, afirma Marcelo Palácio, da clínica terapêutica Casa Despertar, em Aquiraz-CE. Cita que pelo menos duas pessoas por dia chegam em busca de orientação para tratamento relacionado ao vício em apostas online. “Quando o jogador ganha, sente aquela dopamina, uma sensação de prazer parecida com a produzida pelo uso de entorpecentes. Quando perde, tem a mesma depressão e ressaca moral que a droga traz”, explica.

Em nosso complexo psíquico, o desejo eclode de experiências bem-sucedidas de satisfação, geradoras de sensações ou percepções agradáveis. E enveredando por circuitos mentais do sistema límbico (responsável pelo controle do comportamento emocional), em particular nos quintais do infantilizado Eu, tais desejos podem se transmutar em necessidades vitais ao resgate de autoestimas comprometidas pela dor, abandono, traumas, solidão e sentimentos de menos valia.

Na imensa maioria dos ambientes onde a juventude circula, confere-se a existência do aspecto viral de entretenimento online, em que muitos – mas, muitos mesmo! – veem-se literalmente enredados no vício, sofrendo (e fazendo familiares se afligirem junto) ao se perceberem incapazes em lidar com a angústia da abstinência e, ainda mais desesperadamente, não encontrando saídas a uma espécie de vergonha onde o arrependimento não faz qualquer diferença a sua apreensão.

Em entrevista a um programa televisivo, a vítima de um esquema de aposta denominado "Jogo do Tigre" desabafa:  "Eu comecei a jogar através de uma blogueira que eu seguia lá na minha cidade. Em 2 meses a mulher comprou um carro zero. Ai a gente fica deslumbrado...em 15 minutos, eu perdi meu salário todo. No segundo mês, perdi de novo o meu salário. O terceiro mês, eu perdi de novo. juntando os 3 salários e todo o dinheiro que eu perdi, uns 17 mil por aí. Eu prefiro nem contar, dá uma coisa ruim".

Ao não vivenciar mais as sensações sensoriais agradáveis durante o jogo (passar de fase sem gastar/ganhar dinheiro) e se sentir incapaz em quitar dívidas decorrentes de compras ou insucesso nas apostas – valores por vezes impagáveis –, o adicto digital pode, no processo antagônico ao estado afetivo de recompensa que é o de punição, presente no sistema límbico ante as experiências desagradáveis, recorrer a soluções desvirtuosas, como mentir e furtar, e a outras extremamente nefastas, listando aqui a drogadição, o trato com agiotas e o suicídio como tristes caminhos à paz interna que lhe escapou das mãos.

Derivado do latim TENERE (manter, segurar) e do espanhol ENTRETENER (segurar entre, manter entre), o termo entretenimento denota "uma ideia de estado em suspensão ou intermediário que, no extremo, transmitiria uma impressão de imobilidade, de estagnação, de quase paralisia". Revista Mídia e Cotidiano Editorial Volume 12, Número 2, agosto de 2018 ENTRETENIMENTO E VIDA COTIDIANA: NARRATIVAS E CONSUMO, Laura CÁNEPA e Tiago MONTEIRO.

Resta aqui uma consideração importante, para não proceder um juízo de valor generalizado sobre atividades que se propõem a promover o divertimento virtual; para tanto, retomo o que destaquei acima sobre os jogos de azar, como poker/cassinos digitais e os que vinculam o lazer/prazer a aquisição de itens, fomentando dívidas em um momento de imobilidade em discernir, de estagnação perante riscos, de quase paralisia em desligar-se de uma satisfação ilusória que compromete, sob todos os aspectos, a saúde e o futuro de quem mergulha psíquica e emocionalmente nesse mundo paralelo, tão perto das mãos, na pontinha dos dedos como no toque de quem tateia o seio materno para sorver dele o deleite, em sua sede por amor.

Essa nova modalidade de um brincar patológico tem se instalado despercebidamente nos espaços mentais da população juvenil e adulta, adentrando espaços de concreto e convívio... acomodando-se enquanto sistema de ‘entretenimento’ – extremamente rentável e para lá de perverso.

Finalizando: a prática de apostas esportivas online em plataformas de jogos (as denominadas bets) recebe, em 30/12/2023, sanção presidencial e vira a Lei 14.790/23 (Fonte: Agência Câmara de Notícias). A regulação, contudo, centra-se largamente em questões de mérito arrecadatório e de publicidade; ao que se refere à ponta mais frágil da relação de consumo, a proteção ao indivíduo se restringe a impedir o acesso de menores de 18 anos e de pessoas diagnosticadas com distúrbios de jogo – como essa indústria faz essa seleção efetiva, realmente ninguém sabe!

Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.
Última atualização
9/2/2024 13:38

Mortes por PMs quase dobram no início de 2024, em São Paulo

Redação Cidade Capital
26/7/2024 10:02

O número de mortes causadas por policiais militares no estado de São Paulo quase dobraram em relação ao primeiro semestre de 2023. Neste ano, foram registrados 296 óbitos, contra 154 no mesmo período do ano passado.

As operações policiais na Baixada Santista, como a Operação Escudo e a Operação Verão, são apontadas como fatores para o aumento da violência policial.

Decisões diárias e reflexões sobre o caos interno

Carolina Schmitz da Silva
26/7/2024 9:27

Nesses últimos dias, meu diálogo interno teve entusiasmadas e atrapalhadas conversas, diante de momentos de puro prazer e outros de tormenta pura. 

A vida segue, os tempos bons e os desafios se apresentam.