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Opinião

Suicídio: uma enganosa ponte

Exploração da mente humana, a pulsão de morte e o suicídio sob a ótica de Freud. Entenda como a psicanálise busca saídas para o sofrimento.Exploração da mente humana, a pulsão de morte e o suicídio sob a ótica de Freud. Entenda como a psicanálise busca saídas para o sofrimento.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Marta Moneo

<span class="abre-texto">No ambiente das funções</span> cerebrais – isso que nominamos mente – há uma espécie de lugar hábil em projetar sonhos, idealizações e possibilidades aos intentos humanos, uma vez sermos seres desejosos, ávidos em pretensões, buscas e sentidos. Vez ou outra tal espaço se acha dentro da realidade compartilhada; outras vezes é a realidade psíquica que engenha pontes de acesso para o sujeito e seus quereres.

A questão doída se levanta quando, diante de insucessos (financeiros, afetivos, profissionais, ante a socialização, frente à comparatividade em relação à estética, fama e felicidade fácil), do olhar fragilizado por si mesmo (baixa autoestima, sentimentos de inferioridade ou de abandono, traumas, bullying, lutos, doenças, mágoas etc.) ou movido pela vingança (pulsão de morte, ira, teima, revolta, revide), o indivíduo se distancia e se perde das tantas travessias – das imaginadas e das simbolizadas – desenvolvendo, em seu desencanto, o desejo de partir pelas próprias mãos.

Por pulsão de morte entenda-se a tendência ao retorno a uma ilusória condição de estagnação total, onde o desejo alcançaria o estado de não mais desejar, em que o pensar e o sentir se anulassem nas rotas neuronais e no dentro das grutas orgânicas, celulares, do ser – em outros termos, essa pulsão (conhecida também por Tânatos), nos moveria a uma fuga do sofrimento, da dor, da ação e do enfrentamento da frustração.

Para Freud, a pulsão de morte se atrelaria ambivalentemente a um movimento de auto prazer, de comprazimento: o sadismo, aqui entendido como um tipo de articulação inconsciente (quase que uma manipulação impregnada de primitivismo) da energia agressiva a nos habitar e nos mover resultando, assim, no retorno dela ao Eu enquanto tendência autodestrutiva (num processo denominado reversão em seu contrário, onde a atividade pulsional violenta deixa de se debruçar sobre um objeto externo e se volta contra a própria pessoa, desencadeando seu par oposto: o masoquismo), observável na diversas formas de automutilação ou nos meandros do ato suicida, levado ou não a cabo.

Pincelo um exemplo: o de um paciente atendido na clínica, à época com 16 anos, e que havia pulado de uma escada com a corda no pescoço, após ter escrito cinco cartas (manifestos, como ele dizia) a pessoas de seu círculo de relações afetivas. No exíguo instante da passagem ao ato, já tendo se largado ao vazio inapelável e sem chão, a imagem do rosto de sua mãe surge-lhe à mente de forma absoluta, gigante e intensa, fazendo com que visceralmente buscasse reposicionar a si mesmo na vida e os pés em qualquer degrau da escada por onde saltara.  No caso deste rapaz, ele pôde voltar e, assim, buscar ajuda para se manifestar tanto pelo dizer como pelo deixar-se ouvir.

Trilhando rumos a partir das considerações freudianas, em Luto e melancolia encontramos o suicídio como manifestação pertencente à mesma nascente dos atos falhos ou lapsos – ambos produções do inconsciente do sujeito, mas que não acontecem acidentalmente, havendo em tais equívocos um desejo que se expressa buscando a saciedade por meio da liberação de angustiantes conteúdos mergulhados profundamente (recalcados) no inconsciente. Porém, embora nascidos de igual fonte, a antecipação da morte revela outra vazão.

O suicídio se distingue por buscar, no percurso da passagem ao ato, a total ruptura com o Outro, a busca pela separação completa ao que o mundo externo e as relações objetais representam, porquanto os registros do imaginário e do simbólico não mais sustentam a manutenção de sentidos, buscas e pretensões à realidade compartilhada, tampouco retroalimentam os passos em direção a trilhas que atravessem... a outras formas de interpretar... a intrapsiquicamente se realinhar e se vincular ao Outro por meio das memórias, reduto onde “o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que os une “ (Freud, 1976,  A psicopatologia da vida cotidiana).

Na enganosa ponte do suicídio, o sujeito (ser social capaz de se construir e se reinventar pela necessidade, vontade, introjeção/rejeição de modelos) se percebe em ausência de si, tanto por ter rompido com tudo em volta como por haver se perdido do caminho das memórias vinculantes, em especial as geradoras de saudades – como no exemplo citado em que a face materna acalentou o tentante de novos porquês, de pulsões de vida (também denominada Eros). Por intermédio desse trajeto interno à história e à singularidade que o ainda que breve momento de rememorar nos permite, creio que saídas desacreditadas possam ressurgir e recolocar os passos no solo trabalhoso e desafiador da vida, para o chamamento a novos escoamentos das aflições do ser e, especialmente, à recolocação do sujeito ao patamar psicanalítico ante o qual ele se forma e se transforma pela linguagem na esfera das relações com o Outro, ainda que de maneira conflitiva e frustrante.

Ao exercício psicanalítico, nas possíveis veredas que o atendimento clínico oferece, compete acolher, compreender e entusiasmar o paciente ao resgate de si mesmo, instigando a recuperação do valioso existente dentro dele, retomando, das recordações e memórias, as vivências saudosas carregadas de sentidos e nostalgia – mesmo as traumáticas, melancólicas, enlutadas. Porque se faz necessário realimentar o sujeito dele mesmo através de suas antigas e primordiais construções internas e externas, sinalizando a possível ruptura do circuito fechado mental em que se acha (na verdade, no qual se perde) – esse aceno ao relembrar sobre a própria importância, quando nos concedemos o passeio entre os tantos álbuns e amores guardados no pré-consciente.

Sabemos que o suicídio tem se insinuado de forma silenciosa e recorrente em nossos lares, devastando a razão de vida de todos. Por isso é preciso replicar a existência dos canais à voz e ao acolhimento àqueles que se acham irremediavelmente sem lugar ou importância, como o 188 (CVV – Centro de Valorização da Vida) e 193 (Corpo de Bombeiros), enquanto saídas ao risco da hora.

Em sendo irmãos em humanidade, devemos sim nos atentar quanto à dor e ao sofrimento de quem segue conosco; alertar e propagar, a respeito desse ato, que ele se constitui em uma enganosa ponte, que apenas nos move de um triste horizonte a um lugar sem aonde.

Nesse laço linguístico que nos iguala e nos une, capaz de abrir janelas às sombras do dentro, possamos cada qual nos posicionar mais sensível e atentamente:

  • à escuta dos gemidos, da mudez ou das repetidas falas lamuriosas;
  • ao mirar dos melancólicos gestos, das faces exaustas e do riso perdido;
  • ao tocar o ombro já sem reação de quem desacredita de si e do Outro;
  • em relação a quem quer seja, ao lembrar de que a vida só tem um porquê se pudermos compartilhar a felicidade e, em especial, a solidariedade quando ela (felicidade) não se gesta.
Última atualização
12/2/2024 16:50
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.

Mortes por PMs quase dobram no início de 2024, em São Paulo

Mortes por PMs quase dobram no início de 2024, em São Paulo

Redação Cidade Capital
26/7/2024 10:02

O número de mortes causadas por policiais militares no estado de São Paulo quase dobraram em relação ao primeiro semestre de 2023. Neste ano, foram registrados 296 óbitos, contra 154 no mesmo período do ano passado.

As operações policiais na Baixada Santista, como a Operação Escudo e a Operação Verão, são apontadas como fatores para o aumento da violência policial.

Decisões diárias e reflexões sobre o caos interno

Decisões diárias e reflexões sobre o caos interno

Carolina Schmitz da Silva
26/7/2024 9:27

Nesses últimos dias, meu diálogo interno teve entusiasmadas e atrapalhadas conversas, diante de momentos de puro prazer e outros de tormenta pura. 

A vida segue, os tempos bons e os desafios se apresentam.

Opinião

Suicídio: uma enganosa ponte

Exploração da mente humana, a pulsão de morte e o suicídio sob a ótica de Freud. Entenda como a psicanálise busca saídas para o sofrimento.Exploração da mente humana, a pulsão de morte e o suicídio sob a ótica de Freud. Entenda como a psicanálise busca saídas para o sofrimento.
Vinícius Sgarbe
/
Adobe Firefly
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.
9/2/2024 13:52
Marta Moneo

Freud explica: a pulsão de morte e o desejo de não desejar

<span class="abre-texto">No ambiente das funções</span> cerebrais – isso que nominamos mente – há uma espécie de lugar hábil em projetar sonhos, idealizações e possibilidades aos intentos humanos, uma vez sermos seres desejosos, ávidos em pretensões, buscas e sentidos. Vez ou outra tal espaço se acha dentro da realidade compartilhada; outras vezes é a realidade psíquica que engenha pontes de acesso para o sujeito e seus quereres.

A questão doída se levanta quando, diante de insucessos (financeiros, afetivos, profissionais, ante a socialização, frente à comparatividade em relação à estética, fama e felicidade fácil), do olhar fragilizado por si mesmo (baixa autoestima, sentimentos de inferioridade ou de abandono, traumas, bullying, lutos, doenças, mágoas etc.) ou movido pela vingança (pulsão de morte, ira, teima, revolta, revide), o indivíduo se distancia e se perde das tantas travessias – das imaginadas e das simbolizadas – desenvolvendo, em seu desencanto, o desejo de partir pelas próprias mãos.

Por pulsão de morte entenda-se a tendência ao retorno a uma ilusória condição de estagnação total, onde o desejo alcançaria o estado de não mais desejar, em que o pensar e o sentir se anulassem nas rotas neuronais e no dentro das grutas orgânicas, celulares, do ser – em outros termos, essa pulsão (conhecida também por Tânatos), nos moveria a uma fuga do sofrimento, da dor, da ação e do enfrentamento da frustração.

Para Freud, a pulsão de morte se atrelaria ambivalentemente a um movimento de auto prazer, de comprazimento: o sadismo, aqui entendido como um tipo de articulação inconsciente (quase que uma manipulação impregnada de primitivismo) da energia agressiva a nos habitar e nos mover resultando, assim, no retorno dela ao Eu enquanto tendência autodestrutiva (num processo denominado reversão em seu contrário, onde a atividade pulsional violenta deixa de se debruçar sobre um objeto externo e se volta contra a própria pessoa, desencadeando seu par oposto: o masoquismo), observável na diversas formas de automutilação ou nos meandros do ato suicida, levado ou não a cabo.

Pincelo um exemplo: o de um paciente atendido na clínica, à época com 16 anos, e que havia pulado de uma escada com a corda no pescoço, após ter escrito cinco cartas (manifestos, como ele dizia) a pessoas de seu círculo de relações afetivas. No exíguo instante da passagem ao ato, já tendo se largado ao vazio inapelável e sem chão, a imagem do rosto de sua mãe surge-lhe à mente de forma absoluta, gigante e intensa, fazendo com que visceralmente buscasse reposicionar a si mesmo na vida e os pés em qualquer degrau da escada por onde saltara.  No caso deste rapaz, ele pôde voltar e, assim, buscar ajuda para se manifestar tanto pelo dizer como pelo deixar-se ouvir.

Trilhando rumos a partir das considerações freudianas, em Luto e melancolia encontramos o suicídio como manifestação pertencente à mesma nascente dos atos falhos ou lapsos – ambos produções do inconsciente do sujeito, mas que não acontecem acidentalmente, havendo em tais equívocos um desejo que se expressa buscando a saciedade por meio da liberação de angustiantes conteúdos mergulhados profundamente (recalcados) no inconsciente. Porém, embora nascidos de igual fonte, a antecipação da morte revela outra vazão.

O suicídio se distingue por buscar, no percurso da passagem ao ato, a total ruptura com o Outro, a busca pela separação completa ao que o mundo externo e as relações objetais representam, porquanto os registros do imaginário e do simbólico não mais sustentam a manutenção de sentidos, buscas e pretensões à realidade compartilhada, tampouco retroalimentam os passos em direção a trilhas que atravessem... a outras formas de interpretar... a intrapsiquicamente se realinhar e se vincular ao Outro por meio das memórias, reduto onde “o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que os une “ (Freud, 1976,  A psicopatologia da vida cotidiana).

Na enganosa ponte do suicídio, o sujeito (ser social capaz de se construir e se reinventar pela necessidade, vontade, introjeção/rejeição de modelos) se percebe em ausência de si, tanto por ter rompido com tudo em volta como por haver se perdido do caminho das memórias vinculantes, em especial as geradoras de saudades – como no exemplo citado em que a face materna acalentou o tentante de novos porquês, de pulsões de vida (também denominada Eros). Por intermédio desse trajeto interno à história e à singularidade que o ainda que breve momento de rememorar nos permite, creio que saídas desacreditadas possam ressurgir e recolocar os passos no solo trabalhoso e desafiador da vida, para o chamamento a novos escoamentos das aflições do ser e, especialmente, à recolocação do sujeito ao patamar psicanalítico ante o qual ele se forma e se transforma pela linguagem na esfera das relações com o Outro, ainda que de maneira conflitiva e frustrante.

Ao exercício psicanalítico, nas possíveis veredas que o atendimento clínico oferece, compete acolher, compreender e entusiasmar o paciente ao resgate de si mesmo, instigando a recuperação do valioso existente dentro dele, retomando, das recordações e memórias, as vivências saudosas carregadas de sentidos e nostalgia – mesmo as traumáticas, melancólicas, enlutadas. Porque se faz necessário realimentar o sujeito dele mesmo através de suas antigas e primordiais construções internas e externas, sinalizando a possível ruptura do circuito fechado mental em que se acha (na verdade, no qual se perde) – esse aceno ao relembrar sobre a própria importância, quando nos concedemos o passeio entre os tantos álbuns e amores guardados no pré-consciente.

Sabemos que o suicídio tem se insinuado de forma silenciosa e recorrente em nossos lares, devastando a razão de vida de todos. Por isso é preciso replicar a existência dos canais à voz e ao acolhimento àqueles que se acham irremediavelmente sem lugar ou importância, como o 188 (CVV – Centro de Valorização da Vida) e 193 (Corpo de Bombeiros), enquanto saídas ao risco da hora.

Em sendo irmãos em humanidade, devemos sim nos atentar quanto à dor e ao sofrimento de quem segue conosco; alertar e propagar, a respeito desse ato, que ele se constitui em uma enganosa ponte, que apenas nos move de um triste horizonte a um lugar sem aonde.

Nesse laço linguístico que nos iguala e nos une, capaz de abrir janelas às sombras do dentro, possamos cada qual nos posicionar mais sensível e atentamente:

  • à escuta dos gemidos, da mudez ou das repetidas falas lamuriosas;
  • ao mirar dos melancólicos gestos, das faces exaustas e do riso perdido;
  • ao tocar o ombro já sem reação de quem desacredita de si e do Outro;
  • em relação a quem quer seja, ao lembrar de que a vida só tem um porquê se pudermos compartilhar a felicidade e, em especial, a solidariedade quando ela (felicidade) não se gesta.
Marta Moneo
Pós-graduada em A Psicanálise do Século XXI, pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap); Pós-graduada em psicanálise, pela Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp); Formação em psicanálise, pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Illumen, com sede em São Paulo desde 2010. Outras formações acadêmicas: graduação em administração de empresas, pela Faculdade Ibero-Americana; graduação em letras, pelo Instituto Municipal de Ensino Superior (Imes) Catanduva; Leciona psicanálise, atua como analista didática e supervisora na preparação psicanalítica de alunos do Illumen. Atua na clínica psicanalítica desde 2017, com maior direcionamento ao público infanto-juvenil e adolescente.
Última atualização
12/2/2024 16:50

Mortes por PMs quase dobram no início de 2024, em São Paulo

Redação Cidade Capital
26/7/2024 10:02

O número de mortes causadas por policiais militares no estado de São Paulo quase dobraram em relação ao primeiro semestre de 2023. Neste ano, foram registrados 296 óbitos, contra 154 no mesmo período do ano passado.

As operações policiais na Baixada Santista, como a Operação Escudo e a Operação Verão, são apontadas como fatores para o aumento da violência policial.

Decisões diárias e reflexões sobre o caos interno

Carolina Schmitz da Silva
26/7/2024 9:27

Nesses últimos dias, meu diálogo interno teve entusiasmadas e atrapalhadas conversas, diante de momentos de puro prazer e outros de tormenta pura. 

A vida segue, os tempos bons e os desafios se apresentam.